O webinário marcou a Semana de Prevenção à Gravidez na Adolescência
Vivências diversas sobre a gravidez na adolescência, que perpassam o fortalecimento de trajetórias, habilidades emocionais, acesso à informação, equidade de gênero, criação de redes de apoio e a construção de autonomia foram alguns dos assuntos abordados durante mais uma edição da Jornada das Juventudes.
O evento online ocorreu na última quinta-feira (24) fazendo uma referência ao dia 26 de setembro, Dia Mundial de Prevenção da Gravidez na Adolescência. A ação reuniu três jovens de diferentes localidades do Brasil, e resultou no reconhecimento de experiências compartilhadas durante a gestação. Desafios e dificuldades que a participante Glória Maria Brito trouxe no início de sua fala. “Existe uma visão de que mulheres negras são ‘fortes’, e quando vão parir muitas não recebem anestesia e sofrem com violências obstétricas, e também julgamentos. Quando eu saí da maternidade, algumas pessoas falaram ‘até o ano que vem’. Ou seja, precisamos rever e reelaborar a metodologia desta formação profissional para que possam trabalhar com afetividade. Não faz sentido você atuar numa área para reproduzir violências, porque estamos circuladas por violências o tempo todo”.
O depoimento de Glória Maria, que vive na zona sul de São Paulo, complementa os dados recolhidos pelas pesquisa Nascer no Brasil, coordenada pela Fiocruz. Parte da pesquisa realizada entre fevereiro de 2011 e outubro de 2012 com mais de 23 mil gestantes e puérperas, originou o artigo “A cor da dor: iniquidades raciais na atenção pré-natal e ao parto no Brasil” que demonstra que mulheres negras sofrem mais violência obstétrica, em comparação às mulheres brancas, pois possuem maior risco de um pré-natal inadequado, falta de vinculação à maternidade, ausência de acompanhante e menos anestesia local para episiotomia.
O Brasil possui uma taxa de fecundidade entre meninas de 15 a 19 anos de 62 a cada mil bebês nascidos vivos; por ano são mais de 430 mil bebês nascidos de mães adolescentes. E segundo o IBGE, de cada 10 meninas grávidas ou com filhos 7 são negras e 6 não trabalham. E sendo um fenômeno reproduzido em todas as classes e raças, há também uma questão de inequidade, de relações de poder e desigualdade.
Esse contexto resulta que muitas mães adolescentes acabam exercendo menos seus direitos básicos, como educação, saúde, lazer e trabalho. E também têm mais chances de sofrer discriminação e serem estigmatizadas. Constatação confirmada por Luana Pereira Amora de Menezes. “Eu já sofri julgamento quando fui fazer o teste de gravidez. Eu nem sabia o resultado e já ouvi comentários negativos, e entrei em desespero. Porque eu também não tinha o conhecimento sobre o que era o pré-natal, já que as famílias não falam desses assuntos, e ele só surge quando vem a gravidez. São assuntos que deveriam ser abordados já na adolescência, não como forma de incentivo, mas uma forma de ensino”, comentou Luana Amora, que vive em Fortaleza, Ceará, é mãe e divide seu tempo com os estudos em Serviço Social e administração de uma loja online.
As declarações de Luana Amora também trouxeram apontamentos para o debate sobre a formação profissional e acesso a serviços de saúde. Para Cristiane Cabral, pesquisadora e docente da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), a formação do profissional é um gargalo social que dificulta o acesso à saúde. “A gente peca na formação do profissional de saúde, porque na formação não discutimos temas sensíveis, como são os temas relativos à gênero e sexualidade. E isso vai reverberar na assistência, e o que a gente observa é que são profissionais de saúde com suas crenças e morais estão misturadas na sua prática. Nem sempre a adolescente encontra um serviço amigável, e essas mães teriam outros caminhos se elas encontrassem um serviço acolhedor que, infelizmente, ainda não é a maioria dos serviços disponíveis”, conclui Cristiane Cabral, que é doutora pelo Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), e integrante do GT Gênero e Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO).
No dia 25 de setembro, Harold Robinson, diretor do escritório regional do Fundo de População das Nações Unidas para América Latina e Caribe, emitiu uma declaração alusiva a “Semana de Prevenção à Gravidez na Adolescência”. Robinson enfatizou a necessidade de que sociedade civil e poder público possam somar esforços para a redução da gravidez na adolescência, almejando um cenário de exercício pleno de suas liberdades e direitos.
Direitos como a educação e acesso à informação, enfatizada na fala de Luana Alliana. “Depois da minha gravidez, recebi muitas mensagens de meninas me perguntando sobre o processo que vivi, pois muitas não têm abertura para conversar sobre esse assunto com a família. A gravidez na adolescência ainda é um tabu, e por isso precisamos discutir mais esse assunto para entendermos sobre o nosso corpo”, disse Luana Alliana, mãe e autônoma do setor de turismo em Foz do Iguaçu, Paraná.
A mediação do encontro foi realizada por Anna Cunha, Oficial para Saúde Sexual e Reprodutiva do UNFPA, que relembrou os esforços do UNFPA em criar espaços que visam a redução e melhor aporte para a gravidez na adolescência, como o projeto Prevenção e Redução da Gravidez Não Intencional na Adolescência que atendeu, entre dezembro de 2018 e julho de 2020, 51 municípios do oeste do Paraná.
O projeto beneficiou com capacitações 400 profissionais das áreas de Saúde, Educação e Assistência Social, com ênfase no atendimento ao público de adolescentes. O projeto também criou a caravana Tá no Rumo composta de uma exposição interativa e cinema itinerante, que abrangeu mais de 2 mil jovens com efeitos multiplicadores para melhoria de condições de vida e de saúde da população que vive na região da Tríplice Fronteira no estado do Paraná.
Para assistir ao evento na íntegra, acesse:
Texto: UNFPA Brasil/Guilherme Cruz