No Brasil, onde mais de 4 milhões de meninas não têm acesso a itens menstruais básicos, Fundo de População da ONU promove semana de debates sobre tema, na capital do país.
BRASÍLIA, Distrito federal - Mais de 450 pessoas participaram da “Mostra de Cinema: Luz, Câmera, MenstruAção”, realizada pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), nos dias 8 e 9 do mês de novembro. Deste público, cerca de 300 eram alunas e alunos do Instituto Federal de Brasília (IFB). A mostra inédita ocorreu no Cine Brasília e integrou uma semana de debates promovidos pelo UNFPA sobre o tema, incluindo o “Fórum de Discussão sobre Dignidade Menstrual”. O encontro reuniu especialistas em educação e saúde reprodutiva como também representantes governamentais e parlamentares para o apontamento de caminhos que assegurem respeito às mulheres e à menstruação, da infância até a menopausa.
Durante a Mostra, foram exibidos os filmes “Dignidade Menstrual” (Brasil), “Minha Vez” (Reino Unido), “Imaculada” (Países Baixos), “Sangue da Lua” (Israel), “Um Drama Menstrual” (Estados Unidos), “Pobreza Menstrual” (Brasil), “Menarca” (Brasil), “Escassez’ (Reino Unido), “Carne” (Brasil) e “Sangre Comigo” (Canadá). Após as exibições, os estudantes participaram de rodas de conversa em que deixaram impressões sobre os filmes e as vivências pessoais deles acerca da menstruação. Confira aqui detalhes da programação.
Para Yanna Alves, de 15 anos, que está no 1º ano do curso de Eventos do IFB, o mais importante foi perceber que as indagações e os medos que ela e as amigas têm são compartilhados também por meninas de outras partes do mundo. “Os filmes me mostraram que eu não preciso ter vergonha da minha menstruação e mais, que eu posso contar com o apoio da minha mãe, da família e da escola para conversar sobre temas como esse”, contou.
O estudante do curso de Mecânica do IFB, Wanderson Alves, de 16 anos, foi um dos que se prontificou ao debate. Para ele, estar ali era importante porque “a menstruação é algo natural nas mulheres e não deve ser vista como um problema”.
Algumas alunas falaram sobre vivências familiares em relação ao tema, lembraram o quanto a menstruação ainda é considerada um tabu para as pessoas mais vividas, como as avós, tiraram dúvidas sobre os vários tipos de absorventes existentes e defenderam a distribuição gratuita de itens de higiene menstrual, assim como ocorre com preservativos, em postos de saúde.
A jovem Maria Lara, que cursa Técnica de Cozinha no IFB, contou que participa com a mãe dela de um projeto social de distribuição de cestas básicas para famílias em situação de vulnerabilidade social e que, na pandemia, detectaram a necessidade de incluir itens de higiene menstrual. A partir dessa demanda, começaram a produzir absorventes de pano para entregar com as cestas. “Com isso, ensinamos as mulheres a fazer seus próprios absorventes. Agora, já tem até mulheres que estão tendo uma renda com os produtos”, relembra Maria Lara.
Cristiane Salgado, chefe de gabinete da Reitoria do IFB, aplaudiu a curadoria da Mostra. Ela afirmou que esse tipo de iniciativa ”amplia os horizontes dos jovens para além da sala de aula e é de suma importância para incentivar o debate”.
Campanha nas ruas
Como aquecimento para a Mostra de Cinema e buscando aumentar a conscientização sobre a temática da Dignidade Menstrual, o UNFPA também realizou no dia 3 de novembro uma projeção sobre o prédio do Museu Nacional, em Brasília. A projeção durou 3 horas e pode ser vista por transeuntes que crzavam o eixo monumental na capital.
Abertura oficial
Na noite do dia 8, também no Cine Brasília, a representante do UNFPA no Brasil, Astrid Bant, conduziu a abertura oficial do “Fórum de Discussão sobre Dignidade Menstrual”. Compuseram a mesa de abertura, como convidados, a deputada federal Erika Kokay (PT-DF); a assessora de Relações Institucionais da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal, Elizabeth Fernandes; o coordenador de Atenção Primária à Saúde da Secretaria de Saúde do DF, Fernando Erick; a gestora de Projetos em Políticas Públicas para Mulheres da Secretaria da Mulher do DF, Renata Madeira; a representante do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems), Mariana Pedroza; e a chefe de gabinete da Reitoria do IFB, Cristiane Salgado.
Astrid Bant destacou números preocupantes sobre o tema. A cada dia, no mundo, 1,9 bilhão de mulheres e meninas estão menstruadas; mas, nem a metade delas tem conhecimento sobre esse período natural do corpo até o primeiro ciclo da menstruação, nem recursos para administrá-la.
“No Brasil, 713 mil mulheres e adolescentes não têm acesso a nenhum banheiro com chuveiro ou sanitário em casa. E mais de 4 milhões não têm acesso a itens como sabonete ou papel higiênico em suas escolas”, ressaltou a representante do UNFPA. “A pobreza menstrual afeta muitas pessoas ao redor do mundo; porém, não é um assunto que recebe a devida atenção. A menstruação é um processo natural, normal e necessário, mas ainda é, em grande parte, invisibilizada, tratada como um tabu em diferentes culturas”, completou Bant.
A deputada federal Erika Kokay também citou a necessidade de romper com essa invisibilização. “Quando a falta de dignidade menstrual não é detectada, ela tende a ser naturalizada, e não há instrumentos para enfrentá-la”, afirmou. “Isso faz com que muitas mulheres e meninas se sintam envergonhadas por sua condição. Estamos no Brasil, onde muitas vezes não há um equipamento de higiene nas casas e meninas perdem uma semana de aula por mês em função da pobreza menstrual”, acrescentou a parlamentar.
Como resultado dos debates promovidos pelo UNFPA, serão consolidadas propostas de recomendações e mecanismos sociais para garantir estabilidade menstrual no futuro; especialmente para pessoas em vulnerabilidade social, como grupos escolares e pessoas em situação de rua ou de privação de liberdade.
“Nossa esperança é que a dignidade menstrual vire um termo de referência para todas as brasileiras e brasileiros, estejam em políticas públicas em todos os níveis e seja um assunto apoiado pelo meio empresarial, com a participação da sociedade civil”, defende Astrid Bant.
Após a abertura oficial da Mostra e do Fórum, foi exibido o filme “Ondas de Poder”, uma produção da UNFPA dirigida pela cineasta brasileira Viviane Ferreira. O documentário traz uma série de entrevistas com líderes femininas brasileiras de diversos segmentos. Também aprofunda a discussão sobre a menopausa a partir das vivências dessas mulheres.
A exibição da obra foi seguida por debate com a participação de Astrid Bant; da presidenta do Instituto Mulheres da Amazônia (IMA), Concita Maia; e da presidenta da Associação Nacional de Mulheres na Menopausa, Adriana Ferreira, com mediação da oficial para Equidade de Gênero, Raça e Etnia do UNFPA, Luana Silva.
Como enfatizou Astrid Bant, “a injustiça menstrual não incide apenas no estado físico e psicológico da menarca; mas, ao longo da vida, até o seu desfecho com a menopausa, que é um fenômeno mal-entendido e estigmatizado no ciclo de vida das mulheres, sobretudo nesta sociedade que, no geral, é muito focada em ficar jovem, fazer cirurgia plástica e fingir que a velhice não existe”.