BRASÍLIA, Distrito Federal - Temas como o “aprofundamento situacional e ascensão do tema na agenda pública”; “iniciativas da gestão pública na promoção da dignidade menstrual”; “insumos menstruais e as diferentes alternativas para a provisão da dignidade menstrual e o meio ambiente”; “menstruação e espaço escolar”; e “menopausa no âmbito da dignidade menstrual: poder, sexualidade e autocuidados” foram o centro da atenção durante o “Fórum de Discussão sobre Dignidade Menstrual”, evento promovido pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) nos últimos dias 8, 9 e 10 de novembro.
Além de discussões com a participação de especialistas em educação e saúde reprodutiva, parlamentares e representantes governamentais, o encontro incluiu Grupos de Trabalho que elaboraram recomendações para a promoção da dignidade menstrual no âmbito escolar como também para pessoas em situação de privação de liberdade e ou em situação de rua.
Ficou claro que a chamada “pobreza menstrual” — expressão que busca abranger a falta ou a dificuldade de acesso a itens de higiene, o que muitas vezes prejudica a rotina escolar de meninas e a vida profissional de mulheres adultas, entre outros impactos — não se resume a uma questão econômica, mas ao acesso à informação de qualidade, baseada em evidências.
“Muitas vezes, há preconceitos e tabus que também precisam ser superados”, observa Astrid Bant. “Cada tópico debatido durante o Fórum — desde o acesso a itens de higiene pessoal até a elaboração e implementação de leis e a abordagem do tema em ambiente escolar — estimularam um debate muito rico. Todas as pessoas participantes tinham histórias e relatos a compartilhar”, conta a representa do UNFPA no Brasil.
Participaram do evento personalidades como Lucilene Maria Florêncio de Queiroz, secretária de Saúde do DF; Bartolomeu Rodrigues, secretário de Cultura e Economia Criativa do DF; Vandercy Camargos, secretária de Mulheres do DF; Luciana Miyoko Massukado, reitora do Instituto Federal de Brasília (IFB); Nésio Fernandes, presidente do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (CONAS); Wilames Freire Bezerra, presidente do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems); e representantes indígenas Tentehar Kuzá e Siana Guajajara.
Menopausa
Parte do ciclo menstrual, a menopausa ainda é uma questão pouca debatida na sociedade e foi um dos temas do Fórum, com a mesa “A menopausa no âmbito da dignidade menstrual: poder, sexualidade e autocuidado”. A percepção da menopausa como uma transição positiva de empoderamento feminino além de políticas públicas, práticas tradicionais e iniciativas acadêmicas e da sociedade civil que apoiam essa abordagem foram defendidas durante o debate.
Como enfatizou Astrid Bant, “a injustiça menstrual não incide apenas no estado físico e psicológico da menarca; mas, ao longo da vida, até o seu desfecho com a menopausa, que é um fenômeno mal-entendido e estigmatizado no ciclo de vida das mulheres, sobretudo nesta sociedade que, no geral, é muito focada em ficar jovem, fazer cirurgia plástica e fingir que a velhice não existe”.
Pesquisa inédita
No primeiro dia do evento, foi lançado o estudo de abrangência nacional “Estado da Arte para Promoção da Dignidade Menstrual: Avanços, Desafios e Potencialidades”.
O mapeamento buscou fazer um diagnóstico quantitativo e qualitativo sobre a legislação federal como também iniciativas legislativas estaduais e municipais sobre o tema. O estudo alcança os últimos três anos [de 2019 a 2022] e ainda inclui ações implementadas pela sociedade civil.
Entre os achados, a pesquisa mostra que — além da lei federal nº 14.214/2021, que prevê a construção de um programa nacional sobre dignidade menstrual — 19 estados aprovaram legislações sobre a questão. A temática [“dignidade menstrual”] abrange desde o acesso a itens adequados para saúde menstrual até o respeito às especificidades fisiológicas e emocionais durante esse período mensal na vida de meninas, mulheres, homens trans e pessoas não-binárias.
A maioria das legislações tem como públicos-chave estudantes de escolas públicas como também meninas e mulheres privadas de liberdade ou em situação de rua. “Para as meninas que estão em idade escolar, o número de leis é até significativo”, destaca a representante do UNFPA no Brasil, Astrid Bant. “Porém, a efetivação de políticas públicas ainda encontra uma série de obstáculos. Os projetos e ações realizados no âmbito federal, por exemplo, ainda são poucos e pontuais, aumentando as desigualdades de gênero e de raça no país”, acrescenta.
De acordo com a pesquisa, “dignidade menstrual” ainda é uma questão centrada em meninas e mulheres. “A inclusão de outras pessoas que menstruam [homens trans e pessoas não-binárias] ainda é um tabu”, enfatiza Astrid Bant.
O estudo também mostra que as legislações da Região Norte são mais amplas em relação a saneamento básico. Revela, ainda, que iniciativas de Organizações da Sociedade Civil (OSCs) extrapolam materiais e insumos para os cuidados menstruais: atuam em processos voltados a desmistificar tabus e mitos sobre a menstruação.
“Iniciativas legislativas que garantam dignidade às pessoas que menstruam são fundamentais para a estruturação de estratégias e políticas públicas capazes de alcançar os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) até 2030, especialmente o ODS 3 [saúde e bem-estar] e o ODS 5 [igualdade de gênero e empoderamento feminino]”, afirma a representante do UNFPA no Brasil. “Fica evidente, com o estudo, a necessidade de construção de ações coordenadas e de âmbito nacional, em conformidade com os programas do sistema educacional do país, para se alinhar as legislações à realidade das meninas, mulheres e pessoas que menstruam em idade escolar, enfrentando-se a questão da evasão escolar e da falta de acesso a produtos e de condições básicas de higiene”, acrescenta Bant, ao lembrar que, no Brasil, 713 mil mulheres e adolescentes não têm acesso a nenhum banheiro com chuveiro ou sanitário em casa; e mais de 4 milhões não têm acesso a itens como sabonete ou papel higiênico em suas escolas.
Lei 14.214 - De acordo com a pesquisa, é possível inferir que um dos principais resultados conquistados no período analisado foi a Lei nº 14.214, de 6 de outubro de 2021. Ela abre processos legislativos, jurídicos e orçamentários que dão solidez à construção de uma política pública e impulsionam o tema para os demais entes da federação.
O estudo aponta que depois da Lei Maria da Penha [de proteção às mulheres], a Lei 14.214 foi a legislação que mais ganhou repercussão nos estados e com destacada rapidez no processo de apresentação e aprovação de legislações: normativas que não se resumem à conscientização ou à distribuição de absorventes higiênicos, o que permite maior capacidade de monitoramento e arcabouço jurídico e orçamentário.
Mostra de Cinema
Paralelamente ao Fórum, o UNFPA realizou a “Mostra de Cinema: Luz, Câmera, MenstruAção”, realizado entre os dias 8 e 9, no Cine Brasília (DF).
Mais de 450 pessoas prestigiaram a Mostra; entre elas, cerca de 300 foram alunas e alunos do Instituto Federal de Brasília (IFB). Durante a exposição cinematográfica, foram exibidos documentários e os filmes “Dignidade Menstrual” (Brasil), “Minha Vez” (Reino Unido), “Imaculada” (Países Baixos), “Sangue da Lua” (Israel), “Um Drama Menstrual” (Estados Unidos), “Pobreza Menstrual” (Brasil), “Menarca” (Brasil), “Escassez’ (Reino Unido), “Carne” (Brasil) e “Sangre Comigo” (Canadá).
Sobre a menopausa, foi exibido — na abertura oficial da Mostra e do Fórum, na noite do dia 8 — o documentário “Ondas de Poder”, uma produção do UNFPA dirigida pela cineasta brasileira Viviane Ferreira. A obra traz uma série de entrevistas com líderes femininas brasileiras de diversos segmentos. A exibição foi seguida por debate com a participação de Astrid Bant; da Deputada Federal Erika Kokay; da presidenta do Instituto Mulheres da Amazônia (IMA), Concita Maia; e da presidenta da Associação Nacional de Mulheres na Menopausa, Adriana Ferreira, com mediação da oficial para Equidade de Gênero, Raça e Etnia do UNFPA, Luana Silva.