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Hellen Fonseca, de 20 anos, conta como realizou o sonho de entrar na faculdade com apoio de iniciativas voltadas para a juventude

Por Isabela Martel

PORTO ALEGRE, Rio Grande do Sul – “Quando saiu a lista de aprovados, eu encontrei o meu nome. Mas eu não acreditei. Eu pensei que houvesse algo errado, que fosse outra Hellen”, descreve a jovem. Apreensiva, ela precisou da ajuda de uma pessoa de confiança para entrar em contato com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e se certificar de que aquela Hellen da lista era, de fato, ela. “Quando confirmou, eu desabei. Eu comecei a chorar, a minha mãe também. A gente se abraçou, o meu pai gritou. Eu fiquei sem acreditar. Toda vez que eu me lembro, dá vontade de chorar. Era um sonho quase inalcançável. É uma realidade em que, infelizmente, a gente não se enxerga. Nos primeiros dias, eu pensei que a UFRGS fosse me ligar e dizer que tinha sido um engano, porque eu não conseguia acreditar.”

Hellen Fonseca é uma jovem de 20 anos, residente da Lomba do Pinheiro, bairro periférico de Porto Alegre (RS). Hoje, ela cursa o primeiro período da faculdade de direito em uma das universidades mais prestigiosas do Brasil. É apenas a segunda pessoa de sua família – com mais de vinte primos – a ingressar em uma universidade. A vocação veio desde pequena: “Se eu não achava uma coisa certa, eu rebatia, e queria entender o porquê”, diz. “Um dia, no ensino fundamental, me perguntaram o que eu queria ser quando crescesse. Eu falei que queria ser advogada, e a professora disse: ‘É a profissão pra ti, Hellen!’, ela conta. “Eu fiquei com isso na cabeça”, reflete. Ainda criança e conforme foi crescendo, Hellen descreve um sentimento constante: injustiça. “Quando tu cresce em território periférico, tu já cresce com revolta e injustiça. Mas como temos muitas coisas para fazer no dia a dia, não há tempo de parar e analisar. Mas nós estamos sempre revoltados. O tempo todo. Todos os dias”, diz.

Quando tudo mudou

Entre o sonho de criança e a universidade, o caminho de Hellen foi difícil. Eram – e são –  muitas barreiras a serem ultrapassadas para que uma jovem negra da periferia, oriunda de escola pública, consiga ocupar uma vaga em uma universidade federal. A virada veio quando ela teve contato com duas iniciativas: uma política pública chamada Centro de Juventude da Lomba do Pinheiro (CJ) e a formação de Jovens Multiplicadoras de Cidadania (JMCs) da organização não-governamental Themis, apoiada pelo UNFPA através do Edital Nas Trilhas do Cairo. A formação de JMCs, da qual Hellen fez parte em 2022, durou 10 semanas e buscava fortalecer o protagonismo de jovens mulheres da periferia de Porto Alegre para que conheçam, acessem e reflitam sobre a justiça e seus direitos. O objetivo era promover a superação das desigualdades e fortalecer a agenda feminista e de direitos humanos. Estes espaços expandiram a compreensão de mundo de Hellen e foram determinantes para que ela conseguisse realizar o sonho de cursar direito na UFRGS. “Eu fico muito emocionada quando eu lembro de todo o apoio que eu recebi do CJ e da Themis, e o próprio edital Trilhas do Cairo proporcionou isso”, afirma. A formação foi tão marcante na vida da jovem que agora atua profissionalmente no apoio pedagógico ao curso de JMCs, trabalhando com jovens que, como ela, também poderão ter suas vidas transformadas.

O futuro de Hellen está em aberto. Apenas no início do curso de direito, ela tem muitas coisas a explorar e aprender. Mesmo com as dificuldades – entre elas o deslocamento que envolve dois ônibus e um período de uma hora para chegar ao campus – ela está determinada a traçar o próprio caminho. “Tem muita luta pela frente, mas ter a possibilidade de ter uma porta aberta, já fez uma grande diferença na minha vida e na vida da minha família”, conta. A mãe, que sonha em ver a filha como juíza, também quer cursar a universidade. A irmã de 14 anos, idem. Os sonhos são muitos: ocupar espaços de decisão, mudar a realidade de seu território e da juventude. Mas há também a certeza: “Trabalhando com o direito, o direito das mulheres e da juventude, eu posso sanar esse sentimento de injustiça que eu sempre tive”, conclui.

Edital Nas Trilhas do Cairo

O edital Nas Trilhas de Cairo foi criado pelo UNFPA com o propósito de fortalecer organizações da sociedade civil para aperfeiçoar seu desenvolvimento institucional. O objetivo é contribuir com a atuação e protagonismo da sociedade civil em prol da implementação do Programa de Ação da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, a Conferência do Cairo, realizada em 1994. O edital também se vincula e fortalece a sociedade civil para o seguimento de outros marcos internacionais, como o Consenso de Montevidéu, a Cúpula de Nairóbi e, finalmente, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

Desta forma, o UNFPA contribui com o fortalecimento de organizações que trabalham diretamente com públicos estratégicos para seu mandato no Brasil, tais como: mulheres, meninas, adolescentes e/ou jovens, população negra, população indígena, pessoas LGBTI+, pessoas vivendo com HIV, moradores de favelas, trabalhadores informais, população privada de liberdade, população migrante ou refugiada, população em situação de rua e pessoas em extrema pobreza.