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Conheça a história de Letícia, indígena da etnia Macuxi, uma das mulheres que teve acesso ao DIU através de iniciativa do Fundo de População da ONU

Por Isabela Martel

PACARAIMA, Roraima -  Mulher indígena, mãe, professora. Essa é Letícia Souza Bezerra, de 29 anos. Natural de Pacaraima, cidade em Roraima, na divisa terrestre entre Brasil e Venezuela, Letícia é filha de mãe da etnia Macuxi, e tem orgulho das origens indígenas. A jovem vive em uma pequena casa com o marido e dois filhos: um menino de oito anos, e uma menina de dois. Além dos filhos biológicos, ela também cria o enteado, de 10 anos, fruto do primeiro casamento do marido. Em 2022, Letícia soube que a Unidade Básica de Saúde que atende o seu endereço estava oferecendo o dispositivo intrauterino de cobre (DIU). Foi então que decidiu procurar atendimento para fazer a inserção do método contraceptivo.

“Eu ouvi que estavam colocando o DIU, tomei a iniciativa e fui até a UBS. Nem falei com o meu marido antes, porque é uma decisão sobre o meu corpo, que cabia a mim. Só fui contar depois que já tinha colocado”, lembra, com uma risada.

A falta de capacitação continuada dificultava a oferta de DIU em Pacaraima. Mas, em 2022, o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) capacitou profissionais de medicina e enfermagem do município para que estivessem aptos a fazer as inserções. O objetivo era, em parceria com a rede pública, ampliar o serviço para a população. Deu certo. O DIU a que Letícia teve acesso foi inserido por uma das profissionais que receberam a formação do UNFPA. “Estou muito satisfeita com o resultado, não tive efeitos colaterais e acho que foi a melhor decisão para mim”, relata.


Letícia posa perto da filha de dois anos na divisa terrestre entre Brasil e Venezuela, em Pacaraima (RR) © Newsha Tavakolian/Magnum Photos for UNFPA

Muitos motivos levam as mulheres a escolherem um método contraceptivo como o DIU de cobre, que é altamente eficaz, de longa duração, reversível e não hormonal.  “Criar um filho é algo difícil, e nós já temos três crianças”, diz Letícia, enquanto conta que a opção pelo DIU permite que planeje sua vida reprodutiva com autonomia. “Isso também significa cuidar dos meus filhos da melhor forma possível, enquanto sigo meus objetivos e sonhos”, afirma.

Professora em Escola Indígena

Todos os dias de manhã, Letícia dirige sua moto até a zona rural de Pacaraima. Por uma estrada de terra, ela demora cerca de 20 minutos para chegar até a Escola Estadual Indígena Tuxaua Feliciano dos Santos, situada na Terra Indígena São Marcos, uma entre várias terras indígenas nos arredores de Pacaraima. Recebida com sorrisos por alunos e funcionários, é aqui que ela trabalha como professora de matemática dos ensinos fundamental e médio.

A escola é pequena, mas acolhedora, e possui um currículo acadêmico que, além das matérias regulares, como portugês, matemática, ciências e história, inclui disciplinas especiais para o aprendizado e preservação dos costumes e da cultura Macuxi. Isso significa aulas que ensinam o idioma, práticas culturais, como artesanato, e até mesmo modalidades esportivas específicas. Apaixonada por esportes, Letícia se dedica, com alegria, durante alguns meses do ano a preparar os alunos para os jogos indígenas que mobilizam as diferentes comunidades da região, e que contam também com modalidades tradicionais, como tiro com arco e flecha, ralar mandioca, cabo de guerra e corrida com tora. Concursada pela rede estadual de educação de Roraima, Letícia diz ser feliz no que faz, mas também tem outros sonhos. No futuro, não descarta a opção de prestar a prova para entrar na polícia: “Eu acho que também é um caminho legal, tem a ver comigo. Por que não?”.


Apaixonada por esportes, uma vez por ano, ela prepara os alunos da escola para os jogos indígenas da região. © Newsha Tavakolian/Magnum Photos for UNFPA

Para o UNFPA, a autonomia corporal é a base da igualdade de gênero e, acima de tudo, é um direito fundamental. Quando mulheres e meninas têm informações, serviços e meios para tomar decisões sobre seus próprios corpos e vidas, elas podem traçar seu próprio destino e realizar todo o seu potencial. O planejamento reprodutivo é parte essencial da autonomia corporal, para que mulheres possam desempenhar todos os papéis que desejarem, inclusive o de mães.

Oportunizar um planejamento reprodutivo adequado é um objetivo primário do UNFPA, que atua para alcançar os três zeros até 2030: zero necessidades não atendidas de contracepção, zero mortes maternas evitáveis e zero violências e outras práticas nocivas contra mulheres e meninas. O Ciclo Formativo em Planejamento Reprodutivo, que capacitou profissionais em Pacaraima, Boa Vista e Manaus foi realizado com apoio do Escritório de População, Refugiados e Migração dos Estados Unidos (PRM). Como a história de Letícia demonstra, a iniciativa tem um impacto evidente e contínuo para a vida das mulheres.


Letícia ensina matemática em uma escola estadual indígena na Terra Indígena São Marcos, na zona rural de Pacaraima.  © Newsha Tavakolian/Magnum Photos for UNFPA