Primeiro encontro presencial das organizações na Sala de Situação foi realizado em Salvador/BA nos dias 11 e 12 de agosto
Por Flávia Quirino
SALVADOR, Bahia - Organizações sociais que trabalham com o tema da violência baseada em gênero, nas regiões norte e nordeste do Brasil, desde 2020 estiveram reunidas e mobilizadas virtualmente para debater e incidir em políticas de enfrentamento às violências. Idealizada e impulsionada pelo Fundo de População das Nações Unidas, a Sala de Situação - Violência Baseada em Gênero, tem sido um espaço importante para o compartilhamento de experiências e advocacy estratégico nestas regiões do Brasil. Após mais de dois anos de encontros virtuais, no início de agosto finalmente aconteceu o primeiro encontro presencial destas organizações sociais.
“Para nós mulheres com deficiência é um reconhecimento importante participar da Sala de Situação porque quebra um pouco essa invisibilidade que as mulheres com deficiência passam, na questão da violência, da saúde e de tudo mais. Então, poder estar aqui, mostrar que também somos mulheres, faz com que a gente se sinta parte da discussão de gênero que a gente ainda não viu isso acontecer”. A fala é de Deline Cutrim, que atua no Coletivo de Mulheres com Deficiência do Maranhão, organização da sociedade civil que existe desde 2009 e tem como um de seus objetivos a luta pela inclusão e visibilidade das mulheres com deficiência nas políticas públicas. Deline é uma das integrantes da Sala de Situação, que reúne cerca de 42 organizações dos 16 estados das regiões Norte e Nordeste do Brasil.
Este espaço de intercâmbio é marcado essencialmente pelo reconhecimento das mulheres, em suas diversidades e especificidades. Mulheres negras, indígenas, com deficiência, não-negras, trans participaram nestes dias do primeiro encontro presencial. A atividade contou também com a presença da representante do UNFPA no Brasil, Astrid Brant, que ressaltou a importância do espaço.
“A Sala de Situação surgiu no intuito de unir forças para avançar no combate à violência baseada em gênero. E teve como finalidade a construção de um local seguro para discutir propostas e facilitar o diálogo entre ONU, organizações da sociedade civil, do poder público e da academia e acredito que conseguimos isso e fomos além. Este espaço também se tornou um local de troca de boas práticas e uma grande rede de mulheres conectadas de diferentes estados”, destacou em sua fala na abertura do encontro.
Um dos objetivos da Sala de Situação é promover o intercâmbio, a troca de experiências em práticas de prevenção à violência contra as mulheres. A partir desta finalidade, 09 organizações foram convidadas a apresentar as atividades práticas desenvolvidas em seus territórios. Entre elas, a Associação Maranhense de Travestis e Transexuais (AMATRA), fundada em 2014, e que atua na promoção de direitos das pessoas travestis e transexuais. A experiência apresentada por Samantha Martins, representante da AMATRA, aconteceu durante a Semana Estadual da Visibilidade Trans, realizada na semana de 29 de janeiro, desde 2018.
De acordo com Samantha, em 2022, foram realizados 90 atendimentos e 70 retificações de nomes, em parceria com órgãos governamentais. “É a partir do nome que as pessoas existem, que são respeitadas”, destacou ao falar sobre a importância da retificação do nome.
“O nome traz toda a história da pessoa consigo, então ele é auto afirmativo, você se afirma a partir da sua apresentação de nome. A prerrogativa para gente ajudar essas pessoas é para que se sintam acolhidas e respeitadas a partir dali, porque o nome traz respeito, ele coloca tua história em jogo e você é respeitada a partir dali, mas se vc não se identifica com o seu nome, você tem problemas a partir da sua apresentação, sua história é fragilizada e você fica invisibilizada, então nada mais importante do que ajudar outras pessoas a afirmarem sua história e dar visibilidade pra elas”, pontuou.
Experiências
Além da AMATRA, também partilharam experiências Instituto Mulheres da Amazônia (IMA/AC), Instituto Social ÁGATHA (SE), Associação Filhas do Boto Nunca Mais (RO), Fórum Popular de Mulheres (RO), Coletivo Amazônico LesBiTrans (PA), Coletivo de Mulheres com Deficiência do Maranhão e o Centro das Mulheres do Cabo (PE).
Outra organização que participa da Sala de Situação, é a Associação das Guerreiras Indígenas de Rondônia (AGIR), fundada em 2015 com o objetivo de dar unidade à atuação política das mulheres indígenas do estado dentro e fora de suas comunidades. “É muito importante participar deste espaço, principalmente pela troca de experiências”, frisou Maria Leonice Tupari, representante da Associação na atividade.
Ela pontuou ainda que ao tratar sobre violências é preciso considerar as especificidades e diversidade cultural dos povos indígenas. “A Lei Maria da Penha, por exemplo, não foi feita para as mulheres indígenas. A depender da situação as informações chegam diferentes para as mulheres indígenas, não chegam à nossa realidade a visão e discussão tem que ser mais ampla”, criticou.
A coordenadora da Associação das Prostitutas da Paraíba (APROS), Luza Maria, destacou a importância da Sala de Situação. “Para nós, a Sala de Situação é um espaço político de extrema importância, estamos desde quando começou e isso pra nós foi uma experiência muito boa, para discutir pautas importantes a partir de realidades diversas. Compartilhar do nosso fazer é muito importante. Eu como mulher negra, prostituta me sinto muito acolhida nesse espaço, me fortalece e se me fortalece, fortalece a instituição também”, afirmou.
Justiça reprodutiva
Na programação da atividade presencial, as mulheres também participaram de uma sessão temática sobre Justiça Reprodutiva, gravidez e maternidade na adolescência com as doutoras Emanuelle Goés e Dandara Ramos.
Pesquisadora e doutora em Saúde Pública com ênfase em Epidemiologia (ISC/UFBA), Emanuelle Goés falou sobre o conceito de justiça reprodutiva. “A princípio todas as pessoas têm esse direito. Mas acessar esse direito, ter autonomia, autodeterminação, tomada de decisão a partir desse direito é outra coisa. Se não tem um ambiente favorável. Se mulheres e pessoas vivam em ambiente de injustiça e de violações, mesmo que essa violação não seja de direito reprodutivo, as mulheres não vão conseguir exercer o direito reprodutivo, é por isso que a gente aciona a perspectiva da justiça reprodutiva, que ela reconhece a justiça social como uma demanda importante para os direitos reprodutivos”, explicou.
O que é a Sala de Situação
A Sala de Situação sobre Violência Baseada em Gênero, é uma iniciativa lançada pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) em 2020, a proposta é que as instituições possam realizar um intercâmbio de boas práticas, desenvolver ações em conjunto e se fortalecerem como parte da rede de proteção intersetorial das mulheres em situação de violência.