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“Nós mulheres Kaingang resistimos como o tempo: que sejamos o vento trazendo vida”

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“Nós mulheres Kaingang resistimos como o tempo: que sejamos o vento trazendo vida”

calendar_today 01 December 2023

Beatriz Emilio e a filha Larissa vestindo Kajakas, roupas tradicionais das mulheres Kaingang da T.I. Guarita.
Beatriz Emilio e a filha Larissa vestindo Kajakas, roupas tradicionais das mulheres Kaingang da T.I. Guarita. Foto: ©Vanessa Fe Há/UNFPA Brasil

Em parceria com a SESAI/MS e organizações indígenas, UNFPA promoveu ações em saúde sexual e reprodutiva e direitos de jovens e mulheres indígenas Kaingang e Guarani

Por Isabela Martel

“Nós começamos a luta do GT Guarita pela Vida quando uma mãe chorou”, conta a professora Regina Emilio (40). Ela se refere a um crime hediondo que tirou a vida de uma adolescente Kaingang de 14 anos, que ocorreu em 2021 na Terra Indígena Guarita (T.I. Guarita), o maior território indígena do Rio Grande do Sul. “A dor do outro tornou-se nossa, porque somos famílias indígenas tradicionais”, ela continua. “O cuidado que as mães indígenas têm é diferente das mães brancas: nós cuidamos em rede”, explica a também professora Beatriz Emilio (35). As duas são irmãs e fazem parte do Grupo de Trabalho Guarita pela Vida, um grupo de mulheres e homens que busca proteger e promover o acesso aos direitos de mulheres e meninas da comunidade. Entre os dias 13 e 14 de novembro, o UNFPA promoveu, em parceria com a Secretaria de Saúde Indígena (SESAI) do Ministério da Saúde e o Distrito Sanitário Especial de Saúde Indígena Interior Sul (DSEI Interior Sul), dois dias de oficinas e consultas com a comunidade e profissionais da T.I. Guarita, no município de Redentora/RS.

Oficina de Violência Baseadano Gênero com lideranças Kaingang. Foto: ©Jean Jacinto/UNFPA

A Terra Indígena Guarita, no norte do Rio Grande do Sul, tem 23 mil hectares e ocupa parte de três municípios: Tenente Portela, Redentora e Erval Seco. A Guarita também tem o maior número de pessoas da etnia Kaingang do estado: cerca de 7,8 mil de um total de 30 mil que vivem no Rio Grande do Sul. Das 19 aldeias que compõem o território, 18 são da etnia Kaingang e uma Guarani. Entre as mulheres Kaingang estão as três irmãs Emilio: Beatriz, Regina e Priscila. Elas são lideranças e vozes ativas dentro do GT Guarita pela Vida e ajudaram a construir as ações realizadas em novembro no Polo Guarita (que compõe o DSEI Interior Sul), que foram batizadas de “Corpos ancestrais: Enfrentando a Violência Baseada no Gênero na Terra Indígena Guarita”. 

Durante os dois dias de atividades, cerca de 200 lideranças, mulheres, jovens indígenas e profissionais da saúde e da educação participaram de atividades de sensibilização e mapeamento de suas necessidades e possíveis soluções nas áreas de violência baseada no gênero, saúde sexual e reprodutiva e direitos. “Foram feitos levantamentos das necessidades das comunidades dos 18 setores do nosso território. A gente viu que precisamos de mais momentos assim”, conta Beatriz.

Roda de conversa com mulheres Kaingang. Foto: ©Vanessa Fe Há/UNFPA Brasil

O UNFPA e a Secretaria de Saúde Indígena (SESAI), em diálogo com o Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Interior Sul e as organizações indígenas GT Guarita pela Vida e Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (ArpinSul), vêm trabalhando em parceria para a promoção da saúde sexual e reprodutiva e dos direitos de jovens e mulheres indígenas. A parceria abrange temas como planejamento reprodutivo voluntário e ampliação da oferta de LARCs/DIU, atenção ginecológica e prevenção de câncer do colo do útero, qualificação do pré-natal, enfrentamento às violências baseadas no gênero, e linha de cuidado que atenda às necessidades de jovens e adolescentes indígenas – considerando aspectos de interculturalidade e de empoderamento e protagonismo das mulheres e jovens. “Fizemos um momento para falar sobre parto, se as mulheres querem ter mais filhos ou não. Foram muitas trocas de experiências que nos emocionaram bastante. Também foi falado sobre a importância das ervas medicinais na hora do parto”, relata Beatriz.

Atividade com jovens da T.I. Guarita. Foto: ©Vanessa Fe Há/UNFPA Brasil

Outro ponto importante mencionado pelas irmãs Emilio diz respeito à participação dos jovens nas atividades: “Eles são o nosso futuro, a nossa voz que segue”, diz Regina. “Essa semente nós deixamos para as nossas filhas, porque elas participam de tudo”, completa Beatriz, fazendo referência à filha de 13 anos e à sobrinha de 17.

Saúde sexual e reprodutiva de mulheres Guarani

Além das atividades realizadas no Polo Guarita, no Rio Grande do Sul, UNFPA e SESAI realizaram visita técnica ao Polo Florianópolis, em Santa Catarina (polo sede do DSEI Interior Sul), onde foi possível conhecer duas aldeias Guarani - Moroty Werá, em Biguaçu, e Itaty em Palhoça, e realizar entrevistas e rodas de conversa com mulheres Guarani e profissionais do DSEI.

Como fruto das visitas técnicas e atividades realizadas no DSEI Interior Sul, será elaborado um documento com diagnóstico e recomendações para a qualificação e promoção do acesso de jovens e mulheres indígenas à saúde e aos direitos sexuais e reprodutivos. Essas ações têm o objetivo de subsidiar a SESAI para o escalonamento das ações e fluxos de acesso aos direitos sexuais e reprodutivos para outros territórios indígenas do Brasil; a construção, em 2024, de um curso para inserção de DIU de cobre por enfermeiras/os das Equipes Multiprofissional de Saúde Indígena (EMSIS); e a produção de fluxos, protocolos e linhas de cuidado adequadas a jovens indígenas.

Regina Emilio pinta o rosto durante ação realizada por UNFPA e SESAI na TI Guarita. Foto:©Jean Jacinto/UNFPA Brasil

“Eu defino hoje a mulher Kaingang do Guarita como a mulher mais poderosa do mundo. Nós nos recriamos”, diz Regina Emilio, fazendo um panorama do caminho que as mulheres têm aberto na comunidade ao longo dos pouco mais de dois anos do GT Guarita pela Vida. Iniciativas como a consulta promovida pelo UNFPA e pela SESAI reconhecem o trabalho realizado por essas lideranças e fortalecem a continuidade das ações e articulações que o GT realiza para construir um futuro em que todos, especialmente as mulheres e meninas da comunidade, tenham seus direitos garantidos e respeitados. Regina reforça: “Nós mulheres Kaingang resistimos como o tempo: que sejamos o vento trazendo vida”