Movimentos de mulheres negras, indígenas, refugiadas, trans e travestis participaram de mobilização regional para promoção e qualificação da Plataforma Mulher Segura do UNFPA Brasil
Por Mel Bleil Gallo
Uma série de encontros promovidos pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) no Brasil reuniu ativistas e organizações da sociedade civil e do poder público que atuam na linha de frente do combate à violência contra as mulheres ao longo do mês de novembro. Foi o Mutirão Mulher Segura, realizado nas cidades de Boa Vista (RR), Salvador (BA) e Teresina (PI), com o objetivo de fortalecer as redes locais de atendimento às mulheres em situação de violência e somar esforços para a disseminação das informações e serviços disponibilizados na Plataforma Mulher Segura (PMS). A ação integrou a programação dos 21 dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra Mulheres e Meninas em 2022.
Diante do potencial alcance da plataforma, o mutirão propôs o alinhamento entre ações de advocacy promovidas pela sociedade civil e gestores públicos locais, à capacitação para uso da plataforma, a partir do mapeamento e da validação das informações oferecidas sobre os variados canais de acolhimento e denúncia disponíveis para mulheres e meninas em situação de violência.
A oficial de Gênero, Raça e Etnia do UNFPA Brasil, Luana Silva, ressaltou que a Plataforma é uma das iniciativas do Fundo de População das Nações Unidas para alcançar três zeros até 2030: zero necessidades insatisfeitas de contracepção, zero mortes maternas evitáveis e zero violências ou práticas nocivas contra mulheres e meninas.
"Alcançar estes 3 zeros faz parte da nossa missão para promoção dos direitos humanos no Brasil. Percebemos que para alcançar um cenário de zero violência baseada em gênero, temos um desafio adicional que é o próprio contexto estrutural de violências em que meninas e mulheres estão expostas. Por isso, apostamos na Plataforma Mulher Segura como uma ferramenta capaz de conectar a sociedade civil e o poder público, assim como capaz de conectar meninas e mulheres em situação de violência à serviços e redes de apoio", afirmou Luana Silva.
Nos estados, a mobilização foi liderada por consultoras de três organizações integrantes da Sala de Situação sobre Violência Baseada em Gênero no Norte e Nordeste de 2022, Haldaci Regina da Silva, do Ayabás – Instituto da Mulher Negra do Piauí, Bruna Fonseca, da Atração – Associação Baiana de Travestis, Transexuais e Transgêneros em Ação e Maria Betânia Mota de Jesus, secretária-geral de Mulheres do Conselho Indígena de Roraima – CIR.
Representantes da gestão pública e dos movimentos sociais compartilharam desafios, experiências e estratégias adotadas para o enfrentamento à violência contra as mulheres e meninas em seus territórios. Os encontros foram facilitados pela consultora do UNFPA e gestora da PMS, Mel Bleil Gallo. Na ocasião, as participantes tiveram a oportunidade de testar e sugerir melhorias à ferramenta, que disponibiliza informações sobre mais de 1500 serviços para mulheres e meninas.
A violência não te define: a importância da saúde mental de meninas e mulheres
Participantes do Mutirão Mulher Segura dos três estados relataram como a pandemia de COVID-19 e o contexto socioeconômico brasileiro contribuíram para o agravamento das vulnerabilidades de meninas e mulheres. Ativistas, pesquisadoras e gestoras públicas observaram um aumento nos casos de depressão e suicídio, diretamente associados a violências de gênero.
"Para a gente e para todas as mulheres indígenas, é muito importante conhecer a Plataforma Mulher Segura e falar não só de violência, mas de todos os nossos direitos", afirmou Maria Betânia Mota de Jesus. "Assim, conseguimos ocupar estrategicamente a mente das nossas companheiras, para que elas não fiquem deprimidas e sigam caladas. Para que elas possam ter, de fato, a sua voz de mulheres indígenas", explicou a ativista indígena de Roraima.
As convidadas destacaram a importância da atuação em rede dos serviços de atendimento às mulheres e meninas, como forma de evitar a revitimização das pessoas em situação de violência. "Muitas vezes, a gente se sente como se estivesse enxugando gelo", relatou Makely Gomes, da Associação de Prostitutas do Piauí. "Não adianta levarmos a mulher até a delegacia, para ela receber um atendimento desumano. Ou fazer uma denúncia, mas o agressor continuar à solta. A gente precisa urgentemente melhorar e ampliar o atendimento às mulheres", completou.
Tecnologia a serviço das mulheres
No evento em Teresina, a gerente de Promoção dos Direitos e Autonomia das Mulheres da Coordenadoria Estadual de Políticas para as Mulheres – CEPM, Joelfa Farias, apresentou um balanço de algumas das iniciativas adotadas pelo governo do Piauí durante a pandemia. Uma delas é o canal de WhatsApp para comunicação direta de usuárias com o Centro de Referência da Mulher Francisca Trindade, como parte da campanha "Ei, mermã, você não está sozinha". Segundo Joelfa, na pandemia, a procura telefônica passou de cerca de 20 ligações mensais para mais de 200 mensagens por dia.
Em Salvador, a presidenta da Associação Nacional de Travestis e Transexuais – ANTRA, Keila Simpson, falou sobre o potencial da Plataforma Mulher Segura como uma tecnologia para a erradicação de todas as formas de violência baseada em gênero."Ferramentas como a Plataforma Mulher Segura são o futuro. Tenho certeza de que ela vai gerar frutos tanto para as mulheres da ponta, as usuárias da rede de serviços, como para nós, que somos da sociedade civil organizada"
"Precisamos de mais ferramentas para erradicar, e não apenas diminuir, a violência contra mulheres cis, trans e travestis. Uma violência que muitas vezes começa dentro de suas próprias casas, por parte de seus familiares, e é reproduzida pelas instituições", ressaltou Keila Simpson.
A avaliação é compartilhada por Aurilene Moura, pedagoga da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima – TJRR. "Mesmo nós, da rede socioassistencial, não conseguimos identificar todos os serviços disponíveis e, muitas vezes, vemos que estamos longe das das pessoas e mulheres que precisam de apoio. Neste sentido, a Plataforma tem uma função primorosa de contribuir com informação para a tomada de decisão das mulheres".
"Mais do que dizer às mulheres que sofrem uma violência para denunciarem, nós estamos num momento em que é preciso dizer 'reconheça a violência, prepare-se e então denuncie'. Por isso, acho muito importante a gente se apropriar deste instrumento que o UNFPA oferece", defendeu a servidora do TJRR.
Sobre a Plataforma Mulher Segura
Lançada pelo UNFPA Brasil em 2020, com o apoio das embaixadas do Canadá e Países Baixos, a Plataforma Mulher Segura é um espaço virtual que contém informações como endereços, telefones e até aplicativos - quando disponíveis - de mais de 1.500 serviços de apoio, proteção e enfrentamento à violência baseada em gênero. O conteúdo é oferecido de maneira acessível a partir de qualquer aparelho com acesso mínimo à internet.
O site agrega informação de todo o Brasil sobre serviços como delegacias da mulher, centros de referência da mulher e LGBTQIA+, apoio a migrantes e refugiadas, serviços de atendimento a vítimas de violência sexual e juizados especializados, além de organizações da sociedade civil e movimentos sociais. Em dois anos, a Plataforma foi acessada por cerca de 60 mil usuárias e exibido em 4,8 milhões de buscas virtuais.