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Mariia Shostak começou a ter contrações no dia em que a Rússia invadiu a Ucrânia. Em Kyiv, ela deu à luz ouvindo as sirenes de ataques éreos

 

Mariia Shostak tem 25 anos e mora em Kyiv. Ela começou a ter contrações no dia 24 de fevereiro, data em que a Rússia lançou a ofensiva militar contra a Ucrânia. 

A seguir, ela descreve as condições angustiantes que enfrentou, trazendo uma nova vida num mundo de perigo repentino e extremo.

"Tive uma gravidez complicada e fui para a maternidade mais cedo para que eu e o bebê pudemos ficar sob supervisão médica. Quando acordei no dia 24 de fevereiro, a tela do meu celular estava cheia de mensagens de familiares. Antes mesmo de lê-las, percebi que algo havia acontecido. Na mesma manhã, tive contrações leves e, à tarde, fomos evacuados para o abrigo do porão pela primeira vez. Foi assustador. À noite eu não dormi.

As contrações se intensificaram e as notícias também não traziam paz. Cedo na manhã do dia 25 de fevereiro, um médico me examinou e disse que eu daria a luz naquele dia. Eu chamei meu marido para vir de casa. Uma viagem que normalmente demoraria 20 minutos durou quatro horas por conta das filas nos postos de gasolina, lojas e farmácias. Tive sorte em dar a luz – não foi no porão, embora algumas mulheres tenham dado à luz ali, numa sala montada para isso. Comecei na sala de parto, mas fui transferida para o centro cirúrgico para fazer uma cesariana. Mais tarde, quando as sirenes de ataques aéreos se calaram, a equipe médica quis me levar para o porão, mas eu recusei.

Por conta da dor, eu não podia nem falar, quanto mais ir a algum lugar. O resto do tempo fiquei desconectada do mundo lá fora, e foi provavelmente a única hora em que esqueci da guerra."

 

Medo, fatiga e dor

"Depois da cirurgia, fiquei em cuidado intensivo por diversas horas, sem anestesia. Estava preocupada porque não sabia onde estavam meu bebê e meu marido. Enquanto isso, mais sirenes de ataques aéreos tocaram e decidi ir para o porão. Estava com uma camisola descartável, sem sapatos, numa cadeira de rodas, carregando um cateter urinário. Fui coberta com um cobertor e levada para o abrigo, onde vi meu filho pela primeira vez. Eu o chamei de Arthur.

Eu sentia medo, fadiga e dor. No dia depois da cirurgia, fui da enfermaria da maternidade para o porão diversas vezes. A todo o instante as sirenes de ataque aéreo tocavam. Consegui dormir uma ou duas horas no dia. Passei a maior parte do tempo no porão, sentada em uma cadeira. Minhas costas doem e minhas pernas ainda estão inchadas pela complicação na gravidez. A exaustão cegou o medo, até que uma bala atingiu a parte de cima do prédio, podíamos ver da nossa janela."


Yurii, marido de Maria, segura o filho no hospital. Eles planejam ficar no porão de casa em Kyiv, na Ucrânia. Foto: © Mariia Shostak via UNFPA

"Meu marido, Yurii, ajudou, tomando conta de mim e do meu recém-nascido. A equipe médica organizou refeições no bunker e depois conseguiu camas. Eles nos ajudaram a colocar Arthur para mamar no meu peito, compartilharam remédios para os bebês, seguraram a minha mão quando tive dificuldade para andar. Me sinto segura na capital – há abrigos suficientes e a informação precisa chega das autoridades. Meu marido conseguiu um cantinho para nós no porão de nossa casa para ficarmos. Nasci e cresci em Kyiv, não tenho outra casa. Nós não partiremos."

 

Este relato foi publicado originalmente no site do UNFPA global, a agência da ONU para saúde reprodutiva e sexual.