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Neste 5 de maio, Dia Internacional da Parteira, o Fundo de População da ONU homenageia profissionais de enfermagem obstétrica e obstetrícia por meio da história da enfermeira obstétrica Verbênia Cipriano, que assistiu mais de 5 mil partos no Piauí

 

Por Fabiane Guimarães

 

Verbênia Cipriano nasceu no interior do Piauí pelas mãos da parteira que também faria o parto de seus seis irmãos — entre eles sua irmã gêmea, que chegou só alguns minutos depois. Mal sabia ela que, muitos anos mais tarde, tornaria-se enfermeira obstétrica, em uma espécie de tributo ao conhecimento ancestral que a trouxe ao mundo. Aos 46 anos, ela estima já ter assistido mais de 5 mil partos em seus 20 anos de trabalho. “Quem faz o parto é a mulher, eu só dou assistência”, garante logo, e não falta amor e humildade ao explicar a profissão que justifica a sua e outras vidas inteiras.

A especialização em obstetrícia veio pela necessidade. Enfermeira recém-formada, Verbênia foi trabalhar em um hospital em Redenção do Gurguéia, uma pequena cidade no interior piauiense, distante 700 km da capital Teresina. Ao chegar no local de trabalho, descobriu que os partos ali eram feitos pelos técnicos de enfermagem: na maior parte das vezes, não havia médicos disponíveis. “Eu me preocupava, mas com o tempo fui percebendo que eles eram verdadeiros parteiros”, conta. Para ajudá-los, Verbênia começou a estudar para garantir, entre outras coisas, que as mulheres que procuravam o hospital tivessem um pré-natal adequado, que ela mesma fazia. A saúde daquelas mulheres e seus partos passaram a ser a sua prioridade.

“Minha casa era ao lado do hospital, minha janela ficava pertinho. Quando eu escutava uma mulher gritar, sabia que era uma mulher parindo, já levantava, mesmo que estivesse dormindo, e corria para ajudar”, conta. No processo, Verbênia teve experiências positivas, mas algumas negativas, que a motivaram a se especializar para oferecer o melhor atendimento possível. “Uma das coisas que mais me doeu foi quando um médico disse, ainda na sala de parto, que era culpa da mulher que o filho tivesse, infelizmente, nascido morto. Porque ela havia fechado as pernas. Eu percebi que isso era um absurdo, e foi aí que percebi que precisava me preparar melhor”, afirmou.

O ano era 2003 quando Verbênia se pós-graduou em enfermagem obstétrica, vencendo resistências e a escassez de especializações. Mais tarde, foi trabalhar na Maternidade Dona Evangelina Rosa, uma referência em atenção obstétrica do Sistema Único de Saúde (SUS) de Teresina. Ali, começaria uma verdadeira batalha na defesa de um parto humanizado, gentil e natural, mesmo enfrentando eventuais resistências, principalmente de alguns colegas médicos.


Foto: Arquivo pessoal 

No centro obstétrico, Verbênia e seus colegas insistiram em montar um “puxadinho”, para onde eram direcionados alguns partos de baixo risco. A mudança começou a operar silenciosamente e o que antes era resistência acabou virando espírito de cooperação. “O que aconteceu é que fomos desenvolvendo a capacidade de trabalhar em equipe. Usávamos técnicas de alívio da dor, partos com penumbra, uso de música. Isso acabou causando interesse dos médicos, que começaram a aceitar que o parto podia ser diferente”, conta.

Hoje, Verbênia é uma referência em partos normais da maternidade, e é reconhecida pelos profissionais da unidade e do Estado. Também é professora e trabalha ensinando e treinando residentes. Ela explica que tudo é uma questão de unir os saberes tradicionais ao conhecimento. “Eu valorizo um parto totalmente natural, quero que a mulher possa parir do jeito que ela quiser, como ela quiser, mas sei até onde posso ir e, se vejo alguma complicação, sei que é preciso uma intervenção. Temos que aliar o conhecimento tradicional à ciência. Eu estudo muito, já estou no doutorado. Mas quer saber? Sou fã número 1 das parteiras”, brinca.

Ela chegou a conhecer, inclusive, aquela mesma parteira que realizou o seu parto e o de seus irmãos. “Foi muito emocionante para mim. Eu tive a oportunidade de agradecer a ela, dizer como ela foi importante na minha vida e na da minha mãe. Ela já estava velhinha, não se lembrava muito do meu parto, foram muitos partos na vida”, relata. “Hoje eu me sinto privilegiada por ser enfermeira obstétrica. Toda vez que estou triste, lembro desse dom que Deus me deu. É uma sensação muito boa. Há bebês que eu ajudei a trazer ao mundo que já estão adultos”, conclui. 

Ainda serão muitos partos em toda a sua vida.

 

Valorização e reconhecimento

No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, cerca de 56% dos partos são cesarianas. A recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de que esta porcentagem seja de até 15%. “As intervenções obstétricas são importantes e salvam vidas, mas elas devem ser recomendadas apenas nos casos em que haja adequada indicação, com base em evidências. O parto normal deve, sim, ser incentivado, assim como uma composição da atenção em equipes multidisciplinares, inclusive com a presença de enfermeiros e enfermeiras obstétricas ou obstetrizes, para uma experiência mais humanizada e acolhedora”, afirma a oficial para Saúde Sexual e Reprodutiva do Fundo de População da ONU, Anna Cunha.

Segundo o último relatório Situação Mundial da Obstetrícia, divulgado neste 5 de maio,  apoiar totalmente a obstetrícia poderia evitar 67% das mortes maternas, 64% das mortes de recém-nascidos e 65% dos casos de bebês natimortos, salvando uma estimativa de 4,3 milhões de vidas por ano.

Nesta data, Dia Internacional da Parteira, o UNFPA reforça a importância de profissionais de enfermagem obstétrica e obstetrícia na atenção e no cuidado ao parto, pessoas como Verbênia, que fazem a diferença em suas comunidades e impactam positivamente a vida das mulheres. Para reconhecer e fortalecer a presença desses e dessas profissionais, foi lançado o Projeto Enlace, uma iniciativa do UNFPA em parceria com a Johnson & Johnson, que vai desenvolver ações de formação em direitos humanos, fortalecimento de lideranças, promoção de redes e comunicação.
 

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