Soraya Araújo, assistente social e consultora do UNFPA compartilha sobre sua trajetória e trabalho na Ycamiabas – Casa de Acolhimento para Mulheres, em Manaus
Por Isabela Martel
MANAUS, Amazonas – Soraya Araújo, de 43 anos, aprendeu a viver no coletivo. “Eu tenho senso de coletividade e de comunidade, essa sou eu!”, diz, sorrindo. Natural de Manaus (AM), Soraya é assistente social e atua há 15 anos em defesa de meninas e mulheres. Com toda a sua bagagem, ela sabe a diferença que uma rede de apoio pode fazer na vida de mulheres sobreviventes de violência. Sabe também por que já passou por isso, o que a fez desejar apoiar e viabilizar os direitos de outras mulheres. “Eu entrei nessa profissão para conseguir garantir direitos, porque eu sei o quanto é importante precisar de voz e representação quando você não tem. Um encaminhamento bem-feito muda a vida de uma pessoa, e eu percebi isso”, conta. Soraya atua há mais de um ano como gestora de casos de violência de gênero do UNFPA; desde julho, passou a trabalhar na Ycamiabas - Casa de Acolhimento para Mulheres.
A casa é um equipamento público que serve como abrigo temporário para sobreviventes de violência e seus filhos, situada em Manaus. Com capacidade para até 30 pessoas, o espaço foi inaugurado em julho deste ano pela prefeitura de Manaus, por meio da Secretaria Municipal da Mulher, Assistência Social e Cidadania (Semasc), com o apoio do UNFPA. Aqui, as pessoas acolhidas recebem atendimento e suporte de uma equipe multidisciplinar que inclui assistentes sociais – como Soraya –, psicólogas e pedagogas, que prestam a assistência necessária no processo de recuperação de cada uma. Soraya conta que a maioria das mulheres estão acompanhadas dos filhos ou, muitas vezes, são mulheres grávidas: pessoas que realmente precisam de um espaço seguro. “A mulher está muito ferida quando chega na casa. Mas nós fazemos todo um trabalho psicossocial para que ela consiga se encontrar, deixando-a sempre no centro de sua própria história”, explica.
O fluxo de mulheres na Ycamiabas é grande. “Hoje nós estamos com seis mulheres e três crianças. Mas até o final da tarde pode ser que estejamos com o dobro. E amanhã o triplo”, conta Soraya que, em dias de plantão, passa até 12 horas na casa. “Nós ficamos à disposição da rede. Se houver necessidade, nós vamos acolher. Nós fazemos todos os encaminhamentos: saúde, segurança, assistência social, jurídica”, pontua. Ela descreve a Ycamiabas como um espaço bom para se trabalhar, onde é possível ver o resultado do trabalho na vida das mulheres. A casa tem, de fato, feito a diferença na rede socioassistencial de Manaus, assim como o trabalho das consultoras do UNFPA. “O apoio do UNFPA é de fundamental importância, pois oportuniza que as mulheres sejam atendidas por profissionais capacitadas para acolher de forma humanizada” afirma Marley Fonseca, diretora do Departamento de Enfrentamento da Violência contra a Mulher da Semasc. “Além do atendimento especializado, as consultoras contribuíram para o desenvolvimento do Procedimento Operacional Padrão da Ycamiabas, o regimento interno, documentos técnicos de atendimento para o melhor funcionamento da casa, bem como desenvolvem atividades externas de cunho preventivo, como palestras e rodas de conversa”, destaca.
“A partir da minha experiência, eu consigo compreender a situação das mulheres de uma forma completamente diferente”, afirma Soraya. De fato, sua história possui camadas que a colocam em um lugar de exercício de empatia bastante particular. Além de ser uma sobrevivente, Soraya é mãe de duas meninas: “Elas são o motivo de eu desejar um mundo melhor e de acreditar que é possível”, diz. Ademais, ela também é parte do coletivo Mulheres de Axé do Amazonas, e descreve o movimento de mulheres como a sua base de formação: o que dá sentido ao seu modo de ver e viver a vida. “Ser mulher não é simples. Mas ser mulher de matriz africana é ainda mais difícil. Eu já sofri muitos preconceitos e violações de direitos. Mas eu sempre tive muita coragem”, relata. Mesmo com as dificuldades, são esses atravessamentos que a movem a continuar e buscar, através de seu trabalho, fazer a diferença na vida de outras mulheres. “Quando eu viabilizo o direito de uma mulher, quando eu apoio uma mulher a seguir e sair daquela situação de violência em que ela está, isso me fortalece. Eu estou contribuindo para que mulheres não passem pelo que eu passei. Como sobrevivente, essa é a minha contribuição”, diz, orgulhosa.
Sobre o Projeto
O projeto “Fortalecimento dos Serviços de Violência Baseada no Gênero que Salvam Vidas”, é implementado pelo UNFPA com o apoio financeiro da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID). O objetivo é fortalecer as capacidades das redes locais de prevenção e enfrentamento à violência baseada no gênero no Amazonas e em Roraima. Implementado desde 2021, o projeto atua com base em três eixos: o acesso à informação e prevenção à violência baseada no gênero, o fortalecimento dos serviços de proteção especializados, e a construção de capacidades e advocacy. Desde o início do projeto, mais de 80 mil pessoas foram alcançadas.
A história das Ycamiabas
As Ycamiabas eram um povo de mulheres guerreiras descritas em relatos e lendas do período colonial da América do Sul. Segundo essas narrativas, as Ycamiabas viviam em uma região inexplorada e eram conhecidas por sua força física, habilidades de combate e pela formação de uma sociedade matriarcal, em que as mulheres detinham o poder político e militar.