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No Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra a Mulher, ativistas e profissionais discutiram sobre capacitismo, estigma e as graves violações cometidas contra mulheres e meninas com deficiência

 

Em roda de diálogo promovida pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) no último Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra a Mulher, 25/11, ativistas pelos direitos das pessoas com deficiência discutiram as vivências, os estigmas e as graves violações sofridas por mulheres com deficiência. O debate levantou questões como o peso do capacitismo na sociedade, as dificuldades de acesso a direitos, incluindo os direitos sexuais e reprodutivos, e a dura realidade da violência de gênero entre este grupo populacional, que é completamente invisibilizada. O grupo pediu por mudanças urgentes.

O evento foi mediado pela voluntária do Sistema das Nações Unidas em atuação junto ao UNFPA, Siblya Gomes, e contou com a exposição de três ativistas e pesquisadoras dos direitos das pessoas com deficiência, além dos depoimentos emocionantes de várias participantes.

A exposição da doutora em antropologia social pela Universidade de Campinas e pesquisadora Adriana Dias  abriu o evento discutindo como a sociedade ignora e naturaliza as violências cometidas contra essas mulheres. “É quase impossível uma mulher com deficiência intelectual não sofrer um abuso sexual ao longo de sua vida, no Brasil. É um escândalo. É um escândalo há 20 anos, data desses dados, porque a sociedade naturaliza e esteriliza o corpo das mulheres com deficiência e não se fala nisso. O corpo das mulheres com deficiência está dado. Estou cansada”, desabafou. 

Ela acrescentou, ainda, as dificuldades de serem vistas pela sociedade e terem seus direitos assegurados. “Se uma mulher com deficiência precisa de algum cuidado ou serviço especial, a sociedade a vê como um problema. Absolutamente nada é pensado para nós”, afirmou. “Mas os nossos corpos são um ato de rebeldia, revolução e solidariedade”, concluiu.

Jéssica Mendes de Figueiredo, graduada em fotografia e coordenadora do Grupo Nacional de Autodefensoria da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down, expôs algumas das legislações e canais de apoio a pessoas com deficiência e ressaltou as dificuldades sofridas em termos de acessibilidade, para que mulheres com deficiência que sofreram algum tipo de violência tenham formas de denunciar. “É preciso ter acessibilidade na delegacia, no Judiciário, com linguagem simples”, disse.

A fundadora do Coletivo Feminista Helen Keller de Mulheres com deficiência e bacharela em serviço social, Carolini Constantino, complementou argumentando que, para muitas mulheres com deficiência, existe um grande dificuldade até de se perceber como mulher, algo que também aconteceu em sua experiência pessoal. Para Carolini, as violências sofridas por essas pessoas são somatizadas. “É de extrema importância reforçar que a violência se acentua a cada marcador social. A culpa não é dos nossos corpos, mas do sistema que nos coloca em situação de vulnerabilidade”, afirma. 

Mas, segundo ela, isso não exime as pessoas, além dos formuladores de políticas públicas, da responsabilidade. “A reprodução de estigmas e preconceitos por parte da sociedade fazem parte da violência. Os mitos se materializam na realidade. Mitos de que as mulheres com deficiência não podem ser mães, de que são assexuadas ou hipersexualizadas. Existe até mesmo uma grande dificuldade de acessar direitos, como os direitos sexuais e reprodutivos, ter acesso a ginecologistas e a contraceptivos”, pontuou.

 

Soluções e estratégias

Entre as soluções apontadas como necessárias pelo grupo, estão: a necessidade de uma campanha de comunicação com informações que combatam estereótipos e deem visibilidade aos horrores das violências cometidas contra mulheres com deficiência; canais de denúncia e proteção acessíveis e apoio para mães com deficiência e vítimas de violência. 

A representante auxiliar do Fundo de População da ONU, Júnia Quiroga, acompanhou a discussão e agradeceu a oportunidade de participar. “Aprendi e me emocionei ouvindo os relatos. Para o Fundo de População da ONU, a garantia dos direitos das pessoas com deficiência, especialmente das mulheres com deficiência, é essencial. O evento nos trouxe provocações que serão muito úteis para o avanço dessa agenda no futuro. Para além de toda a complexidade multidimensional colocada pelas participantes, chamo a atenção que para atuar no fenômeno é preciso enfatizar a importância de identificar e caracterizar esse grupo populacional de maneira mais eficiente do que as nossas pesquisas permitem hoje, pois isso é essencial para garantir o seu acesso a direitos e serviços bem como para atuar na prevenção e atenção da violência contra as mulheres com deficiência ”, afirma.