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Discurso do Diretor Executivo do UNFPA e Subsecretário-Geral da ONU, Dr. Babatunde Osotimehin, na abertura da da 47ª. Sessão da Comissão sobre População e Desenvolvimento

Sr. Presidente,

Membros da Comissão,
Delegados, 
Senhoras e senhores,

Tenho grande prazer em me dirigir a esta histórica 47ª Sessão da Comissão sobre População e Desenvolvimento. Deixe-me começar elogiando o presidente da Comissão de População e Desenvolvimento, o Embaixador Gonzalo Koncke do Uruguai, por sua destacada liderança, e os membros da Mesa pelo seu trabalho na preparação desta sessão da CPD. Gostaria também de agradecer ao Secretário-Geral para Assuntos Econômicos e Sociais, o Sr. Wu Hongbo, e ao Diretor da Divisão de População, o Sr. John Wilmoth, pelas importantes contribuições da DESA e da Divisão de População para a revisão da CIPD.

O Programa de Ação da CIPD mudou para sempre como nós percebemos a população e o desenvolvimento. Ele moveu as políticas e programas sobre população de um foco em números para um foco nos indivíduos – mulheres e homens, meninas e meninos. E, ao fazê-lo, garantiu que nossos objetivos coletivos incluíssem todas as pessoas, particularmente as mulheres e meninas mais marginalizadas e vulneráveis.

Em parte por causa deste grande avanço, hoje existem meninas ao redor do mundo que são capazes de aprender e ter controle sobre seus corpos, a permanecer na escola, encontrar trabalho e ter filhos quando elas estão prontas - em seu benefício, de suas famílias e suas sociedades.

As duas últimas décadas viram um progresso notável na implementação do Programa de Ação, bem como o avanço contínuo da agenda da CIPD através de muitas de suas áreas mais vitais.

Nesta CPD, os Estados-Membros seguirão com a decisão que tomaram há três anos para "estender o Programa de Ação e as ações-chave para uma implementação posterior para além de 2014, e assegurar o seu acompanhamento, a fim de satisfazer plenamente suas metas e objetivos".

Para auxiliar o processo, a Assembleia Geral determinou que fosse feita uma revisão desta implementação. Desde então, isso tem ocorrido.

A revisão da CIPD, baseada nas vozes e dados de 176 Estados-Membros, nas contribuições da sociedade civil e em pesquisa acadêmica abrangente, cobrindo todo o Programa de Ação, assim como novos desafios e oportunidades, fornece uma poderosa base de evidências para apoiar nosso trabalho neste momento crítico, assim como nós damos forma ao nosso compromisso contínuo com a CIPD para Além de 2014 e a agenda de desenvolvimento pós-2015.

Os resultados do Relatório da CIPD para Além de 2014 indicam um conjunto de princípios comuns que nos permitem cumprir a Resolução GA 65/234 e alcançar verdadeira e plenamente os objetivos do Programa de Ação.

Assegurar a igualdade como base

Senhor Presidente,

Nos últimos 20 anos aconteceram grandes ganhos - na redução da pobreza, educação das garotas, mortalidade materna e infantil, acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva, incluindo o planejamento familiar, proteção dos direitos reprodutivos, e muitas outras áreas do Programa de Ação.

No entanto, esses ganhos mascaram desigualdades significativas e crescentes, que estão impedindo os mais vulneráveis, marginalizados e excluídos entre nós - especialmente mulheres e meninas - a realizarem seus direitos humanos, como afirmado pelo revolucionário consenso do Cairo. Eu creio que devemos nos lembrar que Cairo era parte de uma agenda voltada para o futuro das Nações Unidas na década de 1990. Tivemos as Conferências de Viena, Cairo, Copenhague, Pequim - todas essas conferências olhando para o empoderamento das mulheres e meninas. Vinte anos depois, nós nos movemos para a frente, mas ainda há muito a fazer.

Muitas pessoas estão sendo deixados para trás - pelo crescimento da renda e das desigualdades de riqueza, pela desigualdade de gênero e violência de gênero, pela discriminação e estigma, pela exclusão na participação no governo, e até mesmo através de dados e sistemas de conhecimento que não conseguem contar ou responder por muitas das pessoas mais vulneráveis.

Nós vimos ganhos agregados importantes no acesso aos serviços de saúde sexual e reprodutiva, incluindo o planejamento familiar, com impactos globais significativos sobre a saúde de mulheres, meninas e crianças. No entanto, em muitos países, esses ganhos foram apenas para aqueles que estão no topo da escala de renda. As pessoas pobres, tanto nas áreas rurais como nas áreas urbanas, continuam a sofrer com a falta de acesso a serviços e com problemas de saúde sexual e reprodutiva. Hoje, mais de 200 milhões de mulheres que querem o planejamento familiar não conseguem obtê-lo.

O que esses ganhos de modo geral mascaram são as histórias dos excluídos. Eles não contam a história de uma jovem, casada aos 11 anos com um homem quatro vezes mais velho - uma criança cujos direitos humanos são brutalmente violados, junto com sua integridade física e dignidade, cuja infância é cruelmente finalizada. Para quê? Por um preço? Para pagar uma dívida? Para resolver uma disputa entre as famílias? Porque ela é vista como um fardo econômico? Porque ela é vista como menos digna do que seus irmãos?

Eles não contam a sua história porque ela é invisível - muito jovem para aparecer em pesquisas ou estatísticas, e, talvez, como 1 em cada 3 crianças em países em desenvolvimento, até mesmo o seu nascimento jamais tenha sido registrado. Na falta deste passaporte para a proteção, exercer seus direitos é praticamente impossível. Ela não é contada; ela não é atingida.

O resultado desta CPD e o sucesso da continuação da implementação do Programa de Ação, olhando para os desafios que identificamos na pesquisa global, devem ser julgados pelo fato de que são capazes de reduzir as desigualdades e trazer as promessas de 1994 para as todas pessoas - incluindo, e especialmente, para aquela garota de 11 anos.

Dignidade, direitos e não-discriminação para todas e todos, sem nenhuma distinção

O Programa de Ação da CIPD reafirmou que "todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Toda pessoa tem capacidade para gozar todos os direitos e liberdades estabelecidos na Declaração Universal de Direitos Humanos, sem distinção de qualquer natureza”....

Muitas vezes, porém, a dignidade e os direitos dos indivíduos são prejudicados pela discriminação persistente, estigma e exclusão. O relatório considera que esta discriminação tem um grande custo para as pessoas e para a sociedade. O nosso princípio orientador deve ser "sem distinção de qualquer espécie." Para cada homem, mulher e jovem, e, especialmente, para aquelas e aqueles que experimentam a marginalização, o estigma ou a violência todos os dias, a universalidade dos direitos humanos deve ser cumprida.

Mais uma vez, vamos pensar naquela menina de 11 anos - talvez a mais marginalizada entre os marginalizados. Seu casamento precoce leva à gravidez precoce, fechando as portas à educação, aquisição de habilidades para a vida e oportunidades econômicas, arriscando sua saúde e desperdiçando seu potencial humano. Por sua vez, põe em risco a saúde, a educação e o futuro de seus filhos e filhas, perpetuando um ciclo vicioso de pobreza e exclusão. Quando multiplicado por milhões de meninas adolescentes marginalizadas como ela, isso cria um efeito cascata devastador que coloca o desenvolvimento global em risco.

Eu sempre uso o exemplo da fístula que as meninas pequenas desenvolvem quando seus corpos não estão prontos para ter filhos como o o símbolo da nossa incapacidade de proteger os direitos dessas meninas. A fístula nos diz que nós falhamos, falhamos no sentido de permitir que meninas e mulheres atingissem seu pleno potencial.

Acesso universal à saúde sexual e reprodutiva e direitos

Para a maioria das mulheres de todo o mundo, mulheres jovens em particular, a luta pelos direitos humanos individuais e a liberdade de decidir sobre o seu futuro pessoal está longe de acontecer. O grau em que as sociedades têm tolerado o uso da força e da violência para sustentar o controle sobre as mulheres, em diversos países e em todas as classes da sociedade, é uma das maiores injustiças da história humana.

A nossa menina de 11 anos de idade, ainda apenas uma criança, provavelmente não compreende totalmente as mudanças que estão ocorrendo em seu próprio corpo. Casada com um estranho, desliga-se de sua família e, sem qualquer rede de apoio social, não é capaz de acessar as informações e serviços que precisa. Ela ainda não sabe que seus direitos estão sendo violados. Nestas circunstâncias, todos nós devemos nos levantar e dizer não à violência contra as mulheres e meninas.

Globalmente, até 50% das agressões sexuais são cometidas contra meninas com menos de 16 anos, e a violência de gênero nas escolas é um fator significativo nas taxas de abandono escolar das meninas.

Apesar do compromisso quase universal de acabar com o casamento infantil, uma em cada três meninas nos países em desenvolvimento se casa antes de completar 18 anos - uma em cada nove meninas antes de seu 15º. aniversário. A maioria dessas meninas são pobres, menos escolarizadas e vivem em áreas rurais.

Nove em cada 10 gravidezes adolescentes acontecem no contexto do casamento precoce. E a gravidez e o parto são a principal causa de morte entre as adolescentes entre 15 e 19 anos em países de renda baixa e média.

Um impressionante número de 8,7 milhões mulheres jovens com idade entre 15 e 24 anos recorrem a abortos inseguros a cada ano. Mas, apesar dessas estatísticas, leis, práticas e atitudes discriminatórias continuam a manter as mulheres e as jovens, principalmente as meninas adolescentes, sem acesso aos serviços de saúde sexual e reprodutiva, incluindo contraceptivos, e impedidas de alcançar seus direitos reprodutivos.

Em essência, o que estamos dizendo a essas meninas é: está tudo bem para você ser casada; está tudo bem para você ter relações sexuais; está tudo bem para você ter filhos e filhas, mas você não é velha o suficiente para ter acesso à contraceptivos. Você não é velha o suficiente para ter acesso a uma educação sexual abrangente. Você não é velha o suficiente para ter o controle sobre seu próprio corpo. Isso simplesmente não faz sentido. E nós não podemos mais fugir destas questões. A mudança deve acontecer.

Se as mulheres estão contribuindo para o enriquecimento e crescimento da sociedade, para a inovação e o desenvolvimento, então elas devem ter a oportunidade de decidir sobre o número e o espaçamento entre seus filhos, livre de violência ou coerção, com plena confiança de que a gravidez e o parto não vão resultar em doença, invalidez ou morte; e com a confiança de que seus filhos e filhas serão saudáveis e sobreviverão.

A conquista do acesso universal à saúde sexual e reprodutiva de qualidade e direitos requer um urgente investimento renovado no fortalecimento dos sistemas de saúde para levar esses serviços essenciais aos lugares onde as pessoas vivem.

Desenvolvimento através do curso da vida

Uma das grandes forças da perspectiva da população e do desenvolvimento é a compreensão das transições que as pessoas fazem ao longo de suas vidas - da infância à adolescência, da escola para o emprego, para formar famílias; da idade produtiva ao envelhecimento - e como estas importantes transições acontecem para as pessoas e para as sociedades.

Nós devemos olhar para as pessoas jovens. Temos a maior geração de jovens que o mundo já viu - quase dois bilhões. Existem 600 milhões de meninas adolescentes nesse grupo. É preciso investir nessas pessoas jovens. Nós não podemos falar sobre a próxima agenda de desenvolvimento sem garantir que suas necessidades sejam atendidas.

No entanto, para as pessoas jovens de todo o mundo, especialmente as meninas, essas transições vitais são frequentemente desviadas ou interrompidas - por casamento infantil, precoce ou forçado, aborto inseguro, gravidez na adolescência e falta de acesso aos serviços de saúde sexual e reprodutiva. E as consequências em termos de perda de saúde, empoderamento, educação e oportunidades de trabalho são profundas.
Investir em pessoas jovens é a chave para a sustentabilidade. E como satisfazemos as necessidades dos jovens de hoje irá determinar muito a forma como as sociedades se adaptam à medida em que envelhecem. Em muitas de nossas sociedades, incluindo a minha, são as pessoas jovens que tomam conta dos idosos. Se nós não cuidarmos deles, eles não vão cuidar de nós.

Se pudermos garantir que a menina de 11 anos de idade permaneça na escola, seja protegida da violência, do casamento precoce e de outras práticas nocivas, tenha acesso à informação e aos meios para se proteger de maternidade na infância, seja equipada com opções e oportunidades, ela e milhões de pessoas como ela, juntamente com seus irmãos, se tornarão poderosas agentes de mudança social e poderão construir um futuro melhor para todos nós.

Eu quero dizer a vocês que eu tenho a minha própria segurança social. Eu tenho quatro filhas e eu cuidava delas. E peço-lhes para cuidar de suas filhas, e de todas as meninas de seus países - incluindo aquelas das áreas rurais mais distantes.

Planejamento para a transição demográfica

O mundo tem visto um aumento na diversidade da população entre os países, com trajetórias muito diferentes de fecundidade, estrutura etária, urbanização e migrações.

A Resolução da Assembleia Geral reconheceu claramente a importância da CIPD para o desenvolvimento e para a agenda pós-2015. Os resultados do relatório fornecem evidências profundas e abrangentes destas ligações.

Construindo uma ponte entre a dignidade, os direitos individuais e a sustentabilidade coletiva, a Agenda do Cairo, a sua posterior implementação e o marco da sua revisão podem ajudar a orientar o caminho para que possamos alcançar muitos dos objetivos do processo pós-2015 e do desenvolvimento sustentável.

Esta semana, durante a CPD, os Estados-Membros têm a oportunidade de reafirmar esses laços e assegurar que os ganhos da CIPD são transferidos para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

Agora é o momento de reafirmar a mensagem central da CIPD - que a dignidade individual e os direitos humanos são o caminho para um futuro resiliente e sustentável.

Percorremos um longo caminho desde o Cairo. Há muitos de vocês nesta sala que estavam no Cairo. Eu estava lá também. Vamos nos comprometer novamente a completar a viagem e a trazer todo mundo – inclusive a menina de 11 anos de idade - conosco.

Nosso futuro coletivo depende das ações que tomaremos hoje para proteger e defender os direitos, e garantir uma vida de dignidade e bem-estar para todas as pessoas em todos os lugares, um mundo onde todas e todos têm o poder de contribuir e compartilhar igualmente os benefícios do desenvolvimento, um mundo onde todas as pessoas contam.

Isso é a CIPD. Esse é o caminho para a sustentabilidade e para um mundo melhor para todos nós.

Quero fazer um apelo a todos os Estados-Membros. Estamos em um ponto de inflexão na história. Todos nós enfrentamos desafios diferentes em nossos respectivos países. Vamos usar em especial esta Comissão sobre População e Desenvolvimento para superá-los.

Vamos fazer história juntos!

Obrigado.