Em agosto, mês em que se comemora o Dia Internacional da Juventude, o UNFPA, Fundo de População das Nações Unidas, conversou com Thereza de Lamare, Coordenadora da Área Técnica da Saúde do Adolescente e do Jovem (ASAJ) do Ministério da Saúde, sobre as ações que o órgão federal realiza para a promoção e atenção à saúde de adolescentes e jovens, em especial a saúde sexual e reprodutiva. Entre os temas destacados pela coordenadora está a importância do acesso às informações sobre o direito ao planejamento da vida reprodutiva, à prevenção de DST/Aids; o enfrentamento ao racismo nos serviços de saúde, e os trabalhos intersetoriais com outros ministérios e secretarias.
UNFPA - Como as ações do Ministério da Saude têm impactado na construção e efetivação de políticas para adolescentes e jovens no Brasil e quais são os maiores desafios encontrados?
Thereza de Lamare - O Ministério da Saúde tem trabalhado de forma bastante intensa com outras políticas, especialmente Ministério de Desenvolvimento Social (MDS), o Ministério da Educação (MEC), e a própria Secretaria Nacional da Juventude (SNJ), no sentido de que possamos ter uma convergência das ações que estão sendo realizadas para efetivar os direitos de adolescentes e jovens. Um exemplo é o Programa Saúde nas Escolas (PSE), em que quase 90% dos municípios fizeram adesão. O PSE é onde efetivamente saúde e escola irão trabalhar de forma integrada, não apenas ao fazer assistência, mas também ao trabalhar conteúdos sobre sexualidades, uso de álcool e outras drogas, prevenção à violência e etc, e temos feito ainda uma série de atividades com o “Juventude Viva” (SNJ), plano nacional de enfrentamento aos homicídios contra a juventude negra. Esse tem sido o direcionamento do Ministério da Saúde, se juntando a outras políticas, para que de fato, possamos criar condições e ferramentas para que os profissionais de saúde nos seus territórios e trabalhem de forma integrada, atuando não somente na unidade de saúde, mas também nos outros espaços que o jovem está.
Dos desafios, destaco a violência, que é algo que nos preocupa muito. Os/as jovens estão morrendo muitas vezes pela condição dos territórios onde vivem que são muito violentos.
Também temos como desafios o enfrentamento ao racismo, que é um dos fortes determinantes sociais em saúde, que impactam muito na vida dos jovens, e trabalhar e desenvolver políticas que deem conta da realidade social que vivemos, ainda com muitas desigualdades sociais. Outro desafio são as questões relacionadas a sexualidade, onde encontramos dificuldade da própria sociedade em enxergar esse adolescente como sujeito de direitos, enquanto um indivíduo que está crescendo, reconhecendo o seu corpo, vendo o seu corpo crescer, se desenvolver, como é o caso da puberdade, e, ao mesmo tempo, não somente os profissionais de saúde, mas os pais e a sociedade de modo geral. Enxergamos a sexualidade de forma positiva e não uma situação como se não fosse parte do ser humano a questão do desejo, das relações afetivas, das relações amorosas, e própria sociedade mesmo, no ponto de vista da solidariedade.
E para finalizar temos a questão do uso de álcool e outras drogas, que nós temos um desafio enorme, de fazer com que a fiscalização aumente em bares e portas das escolas, já que as e os adolescentes e jovens estão cada vez mais tendo acesso indiscriminado ao uso de bebida, que é uma grande preocupação nossa. O álcool é muito mais acessível à população jovem, do que outras drogas. Temos muitos desafios relacionados ao nosso modo de viver, que tem impactado muito a vida dos adolescentes.
UNFPA - Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE 2012), do IBGE com o Ministério da Saúde, adolescentes e jovens estão tendo acesso a informações sobre planejamento da vida reprodutiva e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis (89,1% dos adolescentes receberam orientação sobre DST e AIDS e 82,9% informações de como evitar gravidez). Qual a forma mais efetiva de falar com este público sobre esses temas e como fazer com que essas informações tenham um real impacto no estilo de vida e nas escolhas dessas pessoas?
Thereza de Lamare – Os dados mostram que a informação está chegando aos e as jovens e adolescentes. A melhor maneira de falar sobre este tema é a mais simples; junto com a necessidade que os/as adolescentes e jovens tem de se reconhecerem enquanto sujeitos de direitos. É preciso conversar abertamente, tirando tabus e preconceitos, fazendo dinâmicas de grupos, fazendo com que eles e elas possam debater, e se expressar dentro daquilo que estão vivenciando.
Essa é uma estratégia muito bacana de trabalhar, em escutá-los nas suas necessidades, estratégias essas impactantes no sentido de que possam compreender exatamente que, de posse destas informações e orientações, podem fazer as melhores escolhas. É preciso que eles e elas possam cuidar da sua saúde e tomar a decisão sobre o melhor momento para ter uma relação sexual. Essa é nossa orientação no sentido de que possam, cada vez mais, absorver esse conhecimento e perceber o que pode deixá-los em situação de risco ou não.
UNFPA - Nos últimos três anos, foram distribuídos cerca de 1,3 bilhão de camisinhas nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) por todo o país. Sabemos que qualquer pessoa pode retirar o preservativo, sem precisar apresentar qualquer tipo de identificação. Entretanto, adolescentes e jovens muitas vezes experimentam dificuldades de acesso aos serviços e a este insumo. Como vencer os entraves e mudar este quadro?
Thereza de Lamare – A orientação do Ministério da Saúde é que tenhamos uma série de materiais e orientações disponíveis no site destinadas aos secretários estaduais e municipais de saúde e profissionais de saúde, buscando orientá-los de que adolescentes tem o direito a buscar o preservativo dentro da unidade, que é de livre acesso, sem nenhuma exigência de documentação. O que nós queremos é que cada vez mais adolescentes frequentando as unidades de saúde. Mas ainda encontramos profissionais que não compreendem isso e adotam procedimentos que acabam dificultando o acesso de adolescentes e jovens aos preservativos nas unidades de saúde.
UNFPA - Segundo dados do Ministério da Saúde, no Brasil, cerca de 53% das mulheres grávidas tem entre 15 e 24 anos. Anualmente cerca de 20% dos nascidos vivos são filhos de mulheres de 10-19 anos. Entre as adolescentes de 12 a 17 anos, 3% já tiveram um filho ou mais. Como o Ministério da Saúde tem lidado com esses números?
Thereza de Lamare – Temos compilado nossas ações para que essas orientações possam ser dadas onde o adolescente está. Que não sejam somente nos serviços de saúde, mas também em outros locais, como na escola, por exemplo, e em espaços outros, porque tem adolescente que não está em escolas. Então, esses e essas adolescentes precisam ser informados, temos que proporcionar o direito ao uso de preservativos ou qualquer outro método contraceptivo.
Temos trabalhado nesse processo de orientação e acesso livre aos métodos, buscando identificar junto às secretarias estaduais e municipais de saúde os locais onde se tem uma vulnerabilidade maior. Nós sabemos que regiões onde adolescentes e jovens tem menos estudo, pouco acesso a informações, muitas vezes, o projeto de vida não é outra que não seja a engravidar. As oportunidades são poucas. Às vezes a adolescente/jovem deseja ficar grávida, nesse caso precisamos respeitar também esse desejo.
A pesquisa mostra que boa parte das adolescentes que engravidam já estão “unidas”, ou seja, têm namorado, ou vivem com seus companheiros. É preciso ainda desmitificar um pouco a gravidez na adolescência. Muitas gravidezes também acontecem em situação de violência. Infelizmente muitas meninas são vítimas de violência pelos próprios familiares. Precisamos ficar atentos aos cenários. É muito importante que os/as profissionais tenham sensibilidade, desenvolvam uma escuta fina, pra entender o contexto em que se dá essa gravidez.