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A vida de Maria* mudou quando ela tinha 10 anos. A morte dos pais levou a que ela e as irmãs fossem criadas por outros familiares. Primeiro a avó, depois os tios e, finalmente, um tio mais afastado se encarregou das meninas.

“Minha avó ficou cuidando da gente e tinha um tio da parte da minha mãe que queria ficar com a gente também, mas aí minha avó disse que queria as quatro netas juntas. Meu tio me dava umas broncas, às vezes ele me batia. Hoje eu não guardo mágoa dele porque ele se arrepende de ter feito isso”, conta.

Maria sempre se considerou tímida, não gostava muito de conversar e também não tinha muito interesse pela escola. Hoje com 31 anos, vive junto com um primo direto, de quem tem um filho.

“Às vezes eu tenho vontade de conversar com alguém, desabafar, mas não tenho ninguém. Ele não gosta que eu fale com as minhas irmãs e às vezes eu fico sem falar com elas direito. Mas eu me sinto tão mal com isso...”, desabafa sobre a relação com o companheiro que a ameaça, “mas não bate”. Maria já ouviu falar na Lei Maria da Penha mas quer ajudar o companheiro e pai do filho a sair das drogas.

“Eu queria ajudar ele, quando ele tem estresse ele consome[drogas]. Me diz ‘ah, não quero discutir com você, vou sair’. Ele sabe que eu gosto do menino [o filho] então diz que vai levar ele de mim”.

Maria embala o filho de 3 três, que nasceu com microcefalia, em função de quem recebe um benefício de prestação continuada - é esse seu rendimento. Antes de ser mãe ela trabalhava num bar onde recebia R$100 por mês.

Maria ainda sonha: “meu sonho é ter minha casa, eu gostaria que meu companheiro mudasse a atitude para meu filho não ver a mãe sofrer” mas o medo continua presente “já pensei ir embora mas tenho medo que ele faça alguma coisa, que machuque o menino”, desabafa.

 

Apoiar e investir em meninas de 10 anos é a aposta do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) para fazer acontecer a agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável.

“Para milhões de meninas, a chegada da puberdade marca o início de uma vida de pobreza, impotência e perda de oportunidades. Muitas se casam precocemente, engravidam, e com a gravidez vem os riscos para a saúde e o acesso limitado à educação, minando as perspectivas futuras dessas meninas e perpetuando o ciclo intergeracional da pobreza”, afirma Jaime Nadal, Representante do UNFPA no Brasil. “Essa é uma violação dos direitos fundamentais das meninas e uma injustiça imperdoável. Quando uma menina desfruta de seus direitos, é capaz de permanecer na escola e manter-se saudável, ela tem uma chance melhor de realizar seu pleno potencial quando atingir a idade adulta”.

Atualmente, mais de metade da população de 10 anos está em países com altos níveis de desigualdade de gênero. Violência, acesso limitado à educação, obstáculos econômicos, proteção desigual de direitos humanos são alguns dos empecilhos à saúde e ao bem-estar das meninas.

Para quebrar o ciclo da pobreza, sustentar os resultados do desenvolvimento e não deixar ninguém para trás, a sociedade tem que prover a garantia de Direitos Humanos, oportunidades iguais, proteção de possíveis riscos, distribuição justa de recursos, visibilidade nos números e, finalmente, ser corresponsável pelo apoio a essas meninas.

10 ações essenciais para que, em 2030, as meninas que hoje têm 10 anos, alcancem o seu pleno potencial:

1. Estipular a idade legal para as meninas respaldada por uma prática jurídica correspondente;

2. Banir todas as práticas nocivas às meninas e estabelecer a idade mínima de 18 anos para o casamento

3. Oferecer educação segura e de alta qualidade, que apoie integralmente a igualdade de gênero nos currículos, nos padrões de ensino e nas atividades extracurriculares

4. Promover a universalização da atenção em saúde, instituir a realização de exames de check-up de saúde mental e física para todas as meninas aos 10 anos de idade

5. Oferecer educação integral e universal em sexualidade no início da puberdade

6. Instituir um foco rigoroso e sistemático na inclusão, atuando sobre todos os fatores que contribuem para deixar as meninas em situação de vulnerabilidade para trás

7. Mapear e preencher as lacunas de investimento nas jovens adolescentes

8. Mobilizar novos fundos para saúde mental, proteção e redução do trabalho não remunerado que limitam as opções para as meninas

9. Usar a revolução de dados da Agenda 2030 para mapear o progresso das meninas, inclusive em saúde sexual e reprodutiva

10. Envolver as meninas, os meninos e todas as pessoas próximas no questionamento e mudança das normas discriminatórias de gênero

Só assim o potencial de uma menina de 10 anos poderá ser alcançado e histórias como a de Maria serão cada vez menos no Brasil e no mundo.

 

*nome fictício

 

Texto e foto: Tatiana Almeida/UNFPA Brasil