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Também foi lançada publicação com ensaio antropológico buscando melhorar o entendimento da cultura Warao para trabalhadores e trabalhadoras da assistência humanitária

Por Pedro Sibahi

 

Em contextos de refúgio e migração, a chegada em um novo país traz um misto de esperança e descoberta. O desejo de recomeçar a vida é uma constante, mas é preciso se adaptar a uma cultura diferente daquela à qual se está acostumada ou acostumado, além de aprender sobre os direitos e deveres na nova sociedade. Para facilitar esse processo, o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), em sua atuação na assistência humanitária, realiza atividades como rodas de conversa, workshops de formação, atendimentos individuais e a distribuição de cartilhas. Neste mês de outubro, o UNFPA lança uma adaptação de seus materiais para a língua Warao, etnia indígena com maior presença no contexto da crise migratória venezuelana.

Os Warao correspondem a mais de 80% dos cerca de 2 mil indígenas em abrigos da Operação Acolhida em Roraima e Amazonas. É uma população que originalmente habitava a região do delta do rio Orinoco, no nordeste da Venezuela, mas desde os anos 1960 tem sofrido com os impactos ambientais gerados pela exploração petrolífera e a construção de barragens, levando a maiores deslocamentos populacionais. A vinda para o Brasil de maneira sistemática começa em 2014, já no contexto da crise venezuelana.

A produção das cartilhas foi feita em oficinas que envolveram pessoas da população Warao que também são falantes de espanhol ou português, usando como base materiais já existentes do próprio UNFPA. Esse processo teve apoio das facilitadoras culturais da própria etnia Warao, contratadas pelo UNFPA. Ao longo do trabalho, conceitos e palavras não foram apenas traduzidos, mas reinterpretados para a lógica Warao. Ao final, a professora warao Alejandrina Zapata realizou revisão do texto, e o artista warao Avigail Marquina produziu as ilustrações. Cada cartilha produzida com a comunidade warao visa abordar com linguagem simples e direta temas que afetam diretamente a vida de todos e todas, mas principalmente de mulheres e meninas. 

Os materiais foram divididos em três temáticas: “A Construção De Uma Sociedade Não-Violenta: Uma Questão De Gênero”, que aborda as desigualdades de gênero, formas de violência baseadas nessas desigualdades e como buscar apoio, assim como direitos da população LGBTI; “Saúde Sexual e Infecções Sexualmente Transmissíveis”, que fala sobre diferentes tipos de infecções relacionadas à prática sexual, como prevení-las e buscar tratamento; e “Planificação Reprodutiva, Gravidez e Lactação” que aborda métodos contraceptivos, como acessar a rede pública de saúde em caso de gravidez e recomendações para o puerpério, especialmente a lactação.

Também foi produzida uma publicação intitulada “Para construir uma vida melhor” que sistematiza o conteúdo das cartilhas, com a adição de um ensaio antropológico realizado por Gabriel Tardelli, o mesmo profissional que mediou as oficinas de tradução. Ele buscou reunir elementos que contribuam para um maior entendimento dos trabalhadores e trabalhadoras humanitário a respeito da relação do povo Warao com as temáticas de saúde sexual e reprodutiva, assim como da violência baseada no gênero.

A representante do UNFPA no Brasil, Astrid Bant, destaca que “essa iniciativa se insere no contexto da Década Internacional das Línguas Indígenas (DILI), que tem início em 2022 e visa o empoderamento das pessoas falantes de línguas indígenas. A proposta estratégica para a DILI enfatiza os direitos dos povos indígenas à liberdade de expressão, educação em sua língua materna e participação na vida pública usando suas línguas, como pré-requisitos para a sobrevivência das línguas indígenas, muitas das quais atualmente estão à beira da extinção”. 

Ainda segundo Astrid Bant, “temos como objetivo maior a construção de pontes que facilitem a comunicação entre diferentes segmentos profissionais, sejam da assistência humanitária, dos serviços públicos de saúde ou da assistência social, com o povo Warao”.

Desde 2017, o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) está presente na resposta humanitária em Roraima, e em 2019 iniciou seu trabalho em Manaus, atuando junto à Operação Acolhida na crise que envolve as pessoas refugiadas e migrantes vindas da Venezuela. Em contextos de emergência, mulheres e meninas são as mais afetadas, ficam mais vulneráveis a violência baseada em gênero, violência e exploração sexual, infecção por HIV, tráfico humano ou coagidas a trabalho forçado através do uso da violência ou intimidação. O trabalho do UNFPA visa garantir que a saúde sexual e reprodutiva não seja deixada de lado e que as pessoas mais vulneráveis não fiquem para trás. Esse esforço se insere na meta global do Fundo de População da ONU, de que até 2030, o mundo chegue a zero necessidades não atendidas de contracepção, zero mortes maternas evitáveis e zero violências ou práticas nocivas contra mulheres e meninas