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A distância e o sinuoso trajeto entre a Venezuela e o Brasil não assustaram Yennyfer Espinoza, de 30 anos. Mãe de três filhos pequenos, ela cruzou a fronteira duas vezes. Primeiro, há quase um ano, com o caçula, de 4 anos. Depois de conseguir abrigo na cidade de Boa Vista, voltou pelos filhos mais velhos, com 8 e 10 anos. Fez o trajeto de ônibus, por meio de caronas e a pé.

“Na Venezuela, era muito bom. Eu trabalhava e estudava. Era maravilhoso. Depois, a economia piorou. Não havia dinheiro para comprar um pão que fosse. Pensei que a melhor opção seria retirar meus filhos de lá”, explica.

Yennyfer, tinha ainda uma motivação muito particular: sua filha mais velha, de 10 anos, foi diagnosticada com autismo. Sem medicação, ela se torna agressiva e tem dificuldades de interagir com outras crianças. “Na Venezuela, o tratamento era caríssimo. Ela já não ia à escola, nem tinha acesso aos remédios que, aqui, são de graça. Agora, está mais tranquila”, agradece.

A equipe do Fundo de População das Nações Unidas em Roraima ajudou Yennyfer a encontrar tratamento adequado para a filha na rede pública de saúde local e a lidar com questões pessoais, como a violência que a rondava em sua vida. Ela foi uma das 80 pessoas que participaram de um projeto de Defesa Pessoal do Fundo de População, realizado durante três meses em parceria com a Universidade Federal de Roraima, especialmente com vítimas de agressões, mulheres e jovens.

De acordo com Patrícia Melo, especialista em violência baseada em gênero do UNFPA em Roraima, iniciativas como o projeto de defesa pessoal promovem mudanças não apenas na segurança de pessoas migrantes e refugiadas mais vulneráveis, mas também na forma de encarar e identificar situações recorrentes na vida destas pessoas. “Foram duas horas de conversa sobre sexismo, racismo, violência e desigualdade social. O Fundo de População das Nações Unidas deu todo o apoio e coordenou as rodas de conversa”, diz.

Yennyfer foi uma das alunas mais aplicadas. Em reuniões com grupo, pôde falar sobre as coisas que a incomodavam, a identificar a violência em todas as suas formas, a se proteger em casos de luta corporal. Até participou, no fechamento do projeto, de uma demonstração das técnicas aprendidas. “Aprendi a ter autoestima, a agir sobre como devo proceder em situações de risco, a lidar com crises de pânico”, relata. 

Yennyfer e seus três filhos entraram na fila por uma oportunidade de interiorização promovida pela Operação Acolhida. Após procedimentos de documentação e imunização, as pessoas migrantes e refugiadas ficam disponíveis para transferência a outros estados brasileiros, onde podem conseguir abrigo e trabalho. Mais de 12 mil pessoas foram transferidas a 17 estados diferentes. 

A interiorização do governo federal tem caráter voluntário, ou seja, é para todas as pessoas que desejam participar. Os detalhes do destino são explicados com antecedência. Antes de cada viagem, o UNFPA trabalha na disseminação de informações sobre os direitos de mulheres, meninas e população LGBTI no Brasil e sobre como seguir em frente, mantendo diálogos e acompanhamento após a saída de Roraima das pessoas migrantes e refugiadas. 

Após algumas semanas de espera, Yennyfer foi interiorizada. Ela e os filhos agora vivem em Manaus.