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Sabemos o que precisa ser feito, só temos que fazer

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Sabemos o que precisa ser feito, só temos que fazer

calendar_today 11 April 2017

As dinâmicas populacionais são objeto de pesquisa desde o século XVIII e sabemos bem que não são neutras para o desenvolvimento sócio-econômico. Para além do conjunto de obras científicas produzidas ao longo desse período, tem havido numerosas tentativas de implementação de políticas públicas que procuraram interferir nas dinâmicas populacionais de diferentes formas - muitas vezes, opostas.

Em 1946, logo após o estabelecimento das Nações Unidas, uma comissão foi criada para gerar conhecimento e guiar as políticas dos Estados-membros voltadas para as dinâmicas populacionais. O estabelecimento do Fundo de População das Nações Unidas, em 1969, e a celebração de diversas conferências sobre população e desenvolvimento, especialmente a Conferência do Cairo de 1994, permitiram que a ONU tivesse um papel mais significativo na assistência técnica aos países, ao mesmo tempo em que buscava salvaguardar os direitos humanos relativos à saúde e aos direitos reprodutivos.

O debate, nas décadas de 1960 e 1970, motivado pelas publicações A bomba populacional e Os limites do crescimento, reviveram a visão Malthusiana de que o mundo estaria quase predestinado ao colapso devido à sua tendência natural à superpopulação. Interessante notar que os pontos de vista expressados por Condorcet anos antes de Malthus publicar seus ensaios, afirmando que a produtividade, a educação e o progresso social poderiam prevenir o apocalipse da superpopulação, estiveram ausentes nesse debate.

Desde Malthus prevalece a visão de que o crescimento populacional seria uma ameaça direta à humanidade. Este debate requer uma abordagem equilibrada, que reoriente o enfoque para o livre arbítrio dos indivíduos e a capacidade de colocar em prática suas escolhas. Enquanto uma taxa acelerada de crescimento representa um desafio significativo para as políticas de desenvolvimento, taxas de crescimento lentas ou até mesmo negativas também podem colocar em risco a sustentabilidade de intervenções de políticas públicas que poderiam ser bem-sucedidas.

Estudos científicos e dados disponíveis de pesquisas demográficas e de saúde mostram que o tamanho ideal das famílias tende ao nível de reposição à medida que o nível educacional e os salários aumentam. Eles indicam, entretanto, que há lacunas entre o número ideal e o número real de filhos e filhas que as pessoas têm. As demandas não atendidas por planejamento reprodutivo, que afetam principalmente as mulheres mais pobres e com menor nível educacional, são um fator importante nesse sentido.

As evidências, até agora, apontam que os gases do efeito estufa são emitidos principalmente pelas economias desenvolvidas e que são primariamente gerados não pelo crescimento demográfico, mas pelos padrões não-sustentáveis de produção e consumo adotados pelos 20% mais ricos do mundo. Fomentar o desenvolvimento por meio da inclusão social, crescimento econômico e sustentabilidade é, talvez, um dos maiores desafios com os quais a comunidade internacional já se engajou.

De acordo com o UNFPA, o crescimento populacional é a razão de 40% a 60% do crescimento das emissões, sendo o resto atribuído aos padrões de produção e consumo. O desafio, portanto, é garantir o bem-estar dos 80% restantes da população mundial - como definido pela Agenda 2030 das Nações Unidas, “sem deixar ninguém para trás” -, sem reproduzir os mesmos padrões insustentáveis adotados pelos mais ricos, o que demandaria recursos equivalentes a cinco vezes a capacidade de carga do nosso planeta.

Sem dúvida, um crescimento populacional mais lento ajudaria a médio e longo prazos, mas não seria suficiente. A sustentabilidade querer uma matriz de energias mais limpas e uma grande mudança nos padrões de produção e consumo, incluindo iniciativas que assegurem uma distribuição igualitária de bens e serviços. A tecnologia pode e deve ter uma função crucial nesse processo de mudança. Somente assim um crescimento populacional mais lento poderia desempenhar um papel relevante e positivo.

Na atual conjuntura, seria importante destacar que o crescimento populacional mais lento compreenderia também uma estrutura familiar diferente e, provavelmente, uma concentração maior de pessoas vivendo nas cidades, o que poderia ser muito mais eficiente na mobilização de iniciativas de desenvolvimento social e na adaptação aos impactos das mudanças climáticas.

Os efeitos das mudanças climáticas são conhecidos por exacerbar as desigualdades existentes, agravando os riscos já enfrentados pelas populações mais vulneráveis. A epidemia do vírus zika é um claro exemplo de como as más condições ambientais locais, a pobreza, as vulnerabilidades e desigualdades - agravadas pelo aquecimento global - podem criar uma situação de emergência global em saúde.

As interligações entre dinâmicas populacionais, intervenções para adaptação e mitigação das mudanças climáticas e o fomento à sustentabilidade ambiental requerem pesquisas aprofundadas e atenção política. Lamentavelmente, os recursos destinados a possibilitar a tomada de decisões das mulheres relativas à quantidade de filhos que querem ter e ao espaçamento entre eles têm decrescido com o tempo.

Em pleno 2017 temos mais de 200 milhões de mulheres em idade reprodutiva com demandas não-atendidas por planejamento reprodutivo em todo o mundo. A menos que suas necessidades, demandas e direitos reprodutivos sejam tratados como prioridade, o equilíbrio indispensável entre crescimento populacional, inclusão social e sustentabilidade não existirá.

Temos o marco legal internacional, as evidências científicas, e sabemos o que funciona - o acesso universal à saúde sexual e reprodutiva. Simplesmente não há justificativas para a falta de ação.

Por Jaime Nadal, representante do UNFPA no Brasil. 
A versão original deste artigo foi publicada no The Enviromental Forum (acesse aqui)