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As conformações das estruturas familiares mudou muito nas últimas décadas. As famílias, que antes eram reconhecidas basicamente pela formação de pai, mãe e crianças, hoje são reconhecidas pela lei brasileira em diferentes formações: mães, pais, crianças, avós, tios, padrastos, madrastas casais hétero e homoafetivos, com ou sem filhos, inclusive configurações sem vínculo de consanguinidade.

Apesar dessas mudanças, as pesquisas ainda demonstram que as mulheres seguem sendo as mais prejudicadas com a dupla jornada: em muitos casos, quando chegam em suas casas, ainda têm uma série de responsabilidades com o cuidado do lar e das crianças. De acordo com pesquisa “Estatísticas de Gênero – Indicadores sociais das mulheres no Brasil”, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o tempo gasto semanalmente com cuidados de pessoas ou tarefas domésticas é de 18,1 horas para mulheres e de 10,5 horas para homens.

“A mulher tem conseguido conquistas importantes no âmbito do mundo acadêmico e do trabalho. Mas a esfera doméstica é um ambiente em que o patriarcado ainda persiste. É importante continuar avançando em uma divisão mais equitativa dos trabalhos domésticos, como o cuidado das crianças”, comenta Jaime Nadal, representante do UNFPA no Brasil. Esse desequilíbrio das funções relacionadas ao cuidado do outro, em especial o cuidado dos filhos, faz parte de um quadro maior, em que as responsabilidades são mal distribuídas entre mulheres e homens – ou simplesmente negligenciadas por estes enquanto pais.

Um dado que ilustra a questão é o de que mais de cinco milhões de crianças no Brasil não têm o nome do pai no registro de nascimento. A omissão e o abandono são, por si sós, sinais de um não engajamento sobre as responsabilidades que competem ao pai. Ser pai não é apenas dar um sobrenome para a criança, inclui o cuidado e atenção ao longo de toda a vida.

Quando um homem prepara uma refeição ou faz um dever de casa com o filho ou filha, ele não está “ajudando”. Está participando. E a participação paterna é fundamental no desenvolvimento das crianças, pois contribui para a formação e a visão sobre cuidado, empatia, responsabilidade.

“A socialização dos meninos desde a primeira infância, assumindo tarefas e formas de brincar que estejam ligadas aos cuidados domésticos, é fundamental para que saibam que a equidade é a normalidade. A desigualdade não deveria ser normal. Os meninos que crescem em igualdade com as meninas e contribuindo com os pais nos cuidados com o lar assumem suas responsabilidades e depois têm um comportamento menos violento e mais equitativo com as meninas”, reforça Nadal.

No Brasil, essa desigualdade é refletida diretamente em números. As mulheres estão em maior número entre as pessoas com ensino superior completo, somando 23,5%, enquanto os homens representam 20,7%, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2016/IBGE. Porém, elas ganham cerca de 22,9% menos que os homens. Essa diferença se baseia, entre outros fatores, por uma visão equivocada de que a mulher seria menosprodutiva porque, a partir da maternidade, teria que
dedicar mais tempo aos afazeres domésticos e ao cuidado das crianças.

“A economia do cuidado ainda é muito feminilizada e é preciso engajar mais os homens para facilitar a desconstrução dos papéis tradicionais. Algumas políticas devem ser realizadas para poder garantir isso. Por exemplo, ampliar e dividir o mesmo período de licença maternidade e de paternidade. Em outros países, isso tem dado resultados ótimos”, comenta Nadal.

Além disso, outros esforços têm sido feitos para incluir os pais no processo do cuidar como um todo, como a lei 11.108/2005, que garante a participação do pai durante o trabalho de parto e no pós-parto. Embora seu cumprimento muitas vezes esbarre em questões burocráticas, na não-colaboração e desconhecimento de alguns profissionais, a lei estimula a necessária consciência da responsabilidade do pai no cuidado com o filho. “A participação no parto e no pós-parto é fundamental, especialmente no pós-parto, que é muito pesado para as mulheres sozinhas”, frisa.

Para Nadal, da mesma forma que as mulheres impactam o mercado de trabalho e o cenário econômico, é preciso demandar dos pais uma atuação efetiva na criação dos filhos e no cuidado com a família. “As mulheres, hoje, assumem a reprodução e também o âmbito econômico. Então, é fundamental que os homens participem desse processo”, enfatiza, sugerindo uma maneira de evitar o desgaste solitário da mulher com a divisão igualitária das tarefas – e da responsabilidade.

A mulher não deixa de ser mãe quando sai para trabalhar; do mesmo jeito, o pai não deixa de ser homem quando realiza tarefas de cuidado com as crianças e o lar. Ser pai inclui educar, ensinar limites e valores, é assumir a responsabilidade. A divisão equânime das tarefas beneficia a criança, e esses valores serão carregados ao longo da vida. Portanto, é preciso mostrar desde cedo que as responsabilidades devem ser compartilhadas.

Saiba mais:
em agosto, o Fundo de População das Nações Unidas lançou a campanha Pai Presente Importa, com o apoio do ator Érico Brás e do jornalista e escritor Marcos Piangers. Os materiais estão disponíveis no site brazil.unfpa.org e nas redes sociais do UNFPA Brasil. Confira!