GENEBRA, Suíça - Há uma verdade incômoda que limita o progresso na saúde e nos direitos sexuais e reprodutivos que se espalhou pelo mundo nos últimos 30 anos: milhões de mulheres e meninas não foram beneficiadas por causa de sua identidade ou local de nascimento. É o que diz o Relatório sobre a Situação da População Mundial 2024, divulgado hoje pelo UNFPA, a agência das Nações Unidas responsável pela saúde sexual e reprodutiva.
Intitulado “Vidas entrelaçadas, fios de esperança: acabando com as desigualdades na saúde e nos direitos sexuais e reprodutivos”, o relatório destaca o papel do racismo, do sexismo e de outras formas de discriminação como obstáculos ao progresso das mulheres na saúde e nos direitos sexuais e reprodutivos. Os dados são impressionantes. Mulheres e meninas que são pobres, pertencem a minorias étnicas, raciais ou indígenas ou estão presas em ambientes de conflito têm maior probabilidade de morrer porque não têm acesso a atendimento médico oportuno:
• Se uma mulher na África sofre complicações durante a gravidez e o parto, ela tem quase 130 vezes mais chances de morrer do que se vivesse na Europa ou na América do Norte.
• Estima-se que mais da metade das mortes maternas evitáveis ocorra em países que passam por crises humanitárias e conflitos. Isso equivale a quase 500 mortes por dia.
• Nas Américas, as mulheres de ascendência africana têm maior probabilidade de morrer durante o parto do que as mulheres brancas. Nos Estados Unidos, a taxa é três vezes maior que a média nacional.
• As mulheres de grupos étnicos indígenas têm maior probabilidade de morrer de complicações relacionadas à gravidez e ao parto.
• Mulheres com deficiência têm até dez vezes mais probabilidade de sofrer violência de gênero do que mulheres sem deficiência.
• Pessoas de orientação sexual e expressão de gênero diversas enfrentam violência desenfreada e grandes barreiras à assistência.
Este ano marca o 30º aniversário da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (ICPD) no Cairo, um momento histórico em que 179 governos se comprometeram a tornar a saúde e os direitos sexuais e reprodutivos fundamentais para o desenvolvimento sustentável. No entanto, as conquistas estão em perigo. Milhões de mulheres e meninas ainda estão muito para trás e o progresso nos principais indicadores diminuiu ou estagnou: 800 mulheres morrem todos os dias no parto, um número que não mudou desde 2016. 25% das mulheres não podem se negar a ter relações sexuais e quase 1 em cada 10 não consegue fazer suas próprias escolhas de contraceptivos. Em 40% dos países com dados, a autonomia corporal das mulheres está diminuindo.
"No período de uma geração, reduzimos a taxa de gravidez indesejada em quase um quinto, diminuímos a taxa de mortes maternas em um terço e mais de 160 países promulgaram leis contra a violência doméstica", afirma a Dra. Natalia Kanem, Diretora Executiva do UNFPA. "Apesar dessas melhorias, as desigualdades nas sociedades e nos sistemas de saúde estão piorando, e não demos prioridade suficiente para alcançar as pessoas que estão mais para trás. Nosso trabalho está longe de terminar, mas não é impossível com o investimento sustentado e a solidariedade da comunidade internacional.”
Os focos de desigualdade em nível nacional se recusam a desaparecer
Os dados do relatório apontam para fatos preocupantes: para muitas mulheres e meninas, o acesso a contraceptivos, assistência ao parto, cuidados maternos baseados no respeito e outros serviços vitais de saúde sexual e reprodutiva está fora de alcance. As mulheres mais ricas de Madagascar têm cinco vezes mais chances do que as mais pobres de dar à luz com a ajuda de profissionais qualificados. Na Albânia, 90% das mulheres romani, do grupo socioeconômico mais marginalizado, tiveram problemas significativos de acesso à assistência médica, enquanto apenas 5% das mulheres de etnia albanesa do grupo socioeconômico mais privilegiado enfrentaram as mesmas dificuldades.
As melhorias no acesso à assistência médica beneficiaram especialmente as mulheres mais ricas e as mulheres de grupos étnicos que já tinham um acesso mais amplo à assistência médica. Mulheres e meninas com deficiências, pessoas migrantes e refugiadas, minorias étnicas, pessoas LGBTQIA+, pessoas vivendo com HIV e outros grupos desfavorecidos correm um risco maior de passar por problemas de saúde sexual e reprodutiva e de acesso desigual à assistência à saúde sexual e reprodutiva. Sua vulnerabilidade é exacerbada por fatores de alto impacto, como mudanças climáticas, crises humanitárias e migração em massa, que geralmente têm um impacto desproporcional sobre as mulheres que vivem à margem da sociedade.
América Latina e o Caribe
Como no resto do mundo, houve um grande progresso na região, mas ele foi desigual, dependendo da identidade e da localização das pessoas, entre outros fatores.
- A redução da mortalidade materna estagnou, com números comparáveis aos de duas décadas atrás.
- Quase todos os países mostram uma tendência de queda lenta na gravidez na adolescência. Entretanto, a taxa de fecundidade na adolescência da região continua sendo a segunda mais alta do mundo, depois da África Subsaariana.
- Quatorze dos 25 países do mundo com as maiores taxas de feminicídio estão na América Latina e no Caribe.
- Embora a prática do casamento infantil e das uniões informais tenha diminuído globalmente nos últimos 25 anos, na América Latina e no Caribe isso está acontecendo muito lentamente. Uma em cada cinco mulheres jovens entre 20 e 24 anos de idade se casou antes dos 18 anos.
São necessários investimentos, solidariedade e soluções personalizadas
O relatório enfatiza a importância de adaptar os programas às necessidades das comunidades (em vez de seguir abordagens genéricas de larga escala) e capacitar mulheres e meninas para projetar e implementar soluções inovadoras. Ele estima que o investimento adicional de US$ 79 bilhões em países de baixa e média renda até 2030, por exemplo, evitaria 400 milhões de gestações indesejadas, salvaria a vida de 1 milhão de pessoas e geraria benefícios econômicos no valor de US$ 660 bilhões.
Acesse o relatório e o site interativo (em inglês e espanhol) .