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Ao encerrarem as atividades de 2021, integrantes da Sala de Situação sobre Violência Baseada em Gênero chamaram a atenção para insuficiência dos dados oficiais no contexto da pandemia

Por Mel Bleil Gallo

 

Localizadas no norte e nordeste do Brasil, as organizações da Sala de Situação sobre Violência Baseada em Gênero apontaram para a ausência de dados públicos sobre violência de gênero como um dos principais desafios enfrentados na pandemia de COVID-19. A análise é resultado de sete meses de diálogos virtuais, entre maio e dezembro de 2021, com representantes de movimentos de mulheres com deficiência, trabalhadoras do sexo, negras, indígenas e LGBTQIA+, dentre outras. 

A produção e divulgação de dados públicos foi abordada no encerramento das atividades de 2021, em ações realizadas regionalmente. Entidades defendem maior participação popular e o acesso a estatísticas que permitam identificar, de forma qualificada, quem são as mulheres atingidas pela violência e quais rotas elas percorrem para romper com o contexto de agressões. A mobilização integrou a campanha dos 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência de Gênero, entre os dias 25 de novembro, Dia Internacional de Combate à Violência Contra a Mulher, e 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos.

Em São Luís, o Coletivo de Mulheres com Deficiência do Maranhão alertou para a subnotificação dos casos de violência contra as mulheres com deficiência. As ativistas demandam maior acessibilidade no acolhimento às vítimas de agressão, com a contratação de intérpretes de Libras e a capacitação de profissionais em toda a rede de atendimento. O grupo também aderiu à campanha promovida pela Frente Nacional das Mulheres com Deficiência, que cobra a inclusão de um campo para declaração de deficiência nos boletins de ocorrência por Lei Maria da Penha, como prevê a Lei nº 13.836/2019.   

“Em nosso estado, assim como em todo o país, acontece a violência contra a mulheres com deficiência, mas não temos dados oficiais. Temos ainda uma subnotificação, porque não sabemos quantas mulheres agredidas têm deficiência”, afirma Deline Cutrim, integrante do Coletivo e uma das responsáveis pela campanha “Mulher com deficiência, sofreu violência? Põe no B.O.!”.

“A maior barreira que enfrentamos hoje é a barreira atitudinal, que é agravada pela invisibilidade das mulheres com deficiência nas estatísticas sobre violência contra as mulheres", explica Deline, em referência às atitudes de indiferença ou preconceito, conscientes ou não. “Enquanto não tivermos profissionais capacitadas em toda a rede de atendimento, mulheres e meninas com deficiência, especialmente aquelas com deficiência intelectual, continuarão a ser revitimizadas nas delegacias, nos hospitais, em todos os lugares”, resume a ativista.

Em novembro deste ano, Deline e seu Coletivo passaram a integrar oficialmente a Rede de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres de São Luís e pretende fomentar políticas que promovam a acessibilidade de mulheres com deficiência aos serviços de atendimento. A Rede é coordenada pelo Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA), com a participação do Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Polícia Militar, secretarias de Saúde, Educação, Segurança e Direitos Humanos, entidades de classe e movimentos sociais. 

Ao longo dos 21 dias de ativismo de 2021, ocorreu também a primeira Jornada pelo Fim da Violência contra as Mulheres com Deficiência (acesse a programação completa). A mobilização marcou o lançamento da Frente Nacional das Mulheres com Deficiência, que reúne hoje mais de 100 ativistas de todas as regiões do Brasil. A jornada incluiu a audiência pública “A Violência contra mulheres com deficiência”, realizada pela Comissão de Defesa de Direitos das Pessoas com Deficiência da Câmara dos Deputados em 23/11, e uma Roda de Diálogo promovida pelo Fundo de População das Nações Unidas com ativistas pelos direitos das pessoas com deficiência, em 25/11, sobre estratégias de prevenção e atenção à violência contra esse grupo populacional.

Primeiro Encontro Nordeste de Prostitutas 

Entre os dias 09 e 10 de dezembro, ocorreu o I Encontro Nordeste de Prostitutas, em João Pessoa, na Paraíba, com o objetivo de fortalecer a articulação e a participação social do movimento de trabalhadoras do sexo na região. O evento foi promovido pela Associação de Prostitutas da Paraíba - APROS-PB, integrante da Sala de Situação de 2020 e 2021, e possibilitou o diálogo com parlamentares, representantes do poder executivo e do Ministério Público Federal, além de profissionais da saúde, em especial Agentes Comunitários de Saúde, parceiros do movimento.

Adiado por mais de um ano devido à pandemia, o Encontro reuniu lideranças dos estados de Alagoas, Bahia, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe para discutir estratégias de enfrentamento a violência de gênero e de fortalecimento institucional das organizações locais. Atualmente, não há dados específicos sobre a incidência de violência contra a mulher entre trabalhadoras do sexo. 

"Nosso maior desafio ainda é a questão da garantia de melhores condições de trabalho, além do preconceito e da exclusão”, destaca  Luza Maria Silva, trabalhadora do sexo e coordenadora da APROS-PB. "A pandemia piorou isso tudo, porque a gente não tem como prestar um serviço e manter distanciamento. Nosso trabalho é nossa sobrevivência e as prostitutas precisaram, e ainda precisam, trabalhar durante toda a pandemia.”

Desde 2020, a APROS-PB arrecada e distribui cestas básicas às trabalhadoras do sexo que suspenderam as atividades durante o isolamento social ou ao contraírem o vírus. Com a retomada gradual dos serviços presenciais, o grupo viu as doações caírem drasticamente e um aumento significativo na exposição das prostitutas às diversas variantes da COVID-19.

A vacinação, que poderia reduzir os riscos da exposição entre as trabalhadoras do sexo, é dificultada por notícias falsas e disputas políticas, como explica Luza: “estamos num trabalho de convencimento das nossas próprias companheiras, porque tem muita desinformação e muitas ainda estão resistentes à vacinação. Mas não temos como trabalhar sem distanciamento, então a gente reforça sempre que tomar a vacina é nossa única forma de proteção.”

Sobre a Sala de Situação Violência Baseada em Gênero

Criada em maio de 2020, a Sala de Situação possui o intuito de criar uma rede de mobilização virtual que hoje reúne cerca de 50 organizações da sociedade civil que trabalham com a temática e também no combate e prevenção à violência de gênero nas regiões Norte e Nordeste do Brasil.

Sobre os 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência de Gênero 

A campanha dos 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência de Gênero é uma ação global  realizada desde 1991, entre os dias 25 de novembro, Dia Internacional de Combate à Violência Contra a Mulher, e 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos. No Brasil, a mobilização foi ampliada para 21 dias de ativismo e começa em 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, com o objetivo de fortalecer as lutas antirracistas. O período inclui ainda o Dia Internacional das Mulheres Defensoras dos Direitos Humanos (29/11), o Dia Mundial de Luta contra a AIDS (01/12) e o Dia Internacional para Pessoas com Deficiência (03/12). A campanha conta com o apoio das Nações Unidas, organizações da sociedade civil, governos e movimentos sociais.