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O Grupo Temático Ampliado das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (GT/UNAIDS) se reuniu ontem (3) para discutir o atual panorama da epidemia de aids no Brasil, com vistas a, principalmente, se articular contra o Projeto de Lei (PL) 198/2015. Foi o primeiro encontro presidido pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA).

O GT/UNAIDS reuniu representantes da ONU, lideranças de movimentos sociais, organizações não-governamentais e representantes do poder público. Foto: Jorge Salhani/UNFPA Brasil

O PL 198 acresce ao artigo 1º da Lei 8.072, que dispõe sobre crimes hediondos, um inciso que criminaliza a infecção e a transmissão deliberadas do HIV a outras pessoas.

Jaime Nadal, representante do UNFPA Brasil, afirmou que o PL vai contra os ideais e propostas das Nações Unidas referentes à epidemia de HIV/aids. A criminalização da transmissão do HIV, segundo Nadal, além de reforçar a estigmatização das pessoas que vivem com o vírus, pode desencorajar as pessoas a realizarem a testagem e o tratamento, uma vez que estariam sob a ameaça de se tornarem criminosas.

O Projeto de Lei desconsidera os avanços científicos em HIV/aids, que comprovam que tratamentos antirretrovirais reduzem em até 96% as chances de transmissão do vírus em relações sexuais. “Muitos países, em todo o mundo, estão reformando suas leis que criminalizam a transmissão do HIV”, lembrou Nadal, pontuando que o PL vai na contramão da tendência mundial.

Georgiana Braga-Orillard, diretora do UNAIDS no Brasil, reforçou a fala do representante do UNFPA. Segundo ela, o projeto de lei vulnerabiliza ainda mais as populações com estado sorológico positivo, já que “considera as mais de 800 mil pessoas vivendo com HIV no Brasil como criminosos em potencial”.

O ideal para o Sistema das Nações Unidas, comentou Georgiana, é que todas as pessoas se testem e, se necessário, façam o tratamento - o oposto do que aconteceria se o PL for aprovado. 

Em linhas gerais, nota técnica do UNAIDS salienta seis diferentes argumentos contrários ao PL 198: ele penaliza os mais vulneráveis; promove medo e discriminação; favorece a aplicação seletiva da lei; desconsidera as evidências científicas sobre HIV; põe em risco a privacidade e confidencialidade; e faz com que o Brasil perca o protagonismo na resposta ao HIV/aids.

Jaime Nadal, representante do UNFPA e presidente do GT/UNAIDS, e Adele Benzaken, do Departamento de ISTs, Aids e Hepatites Virais. Foto: Jorge Salhani/UNFPA Brasil

A legislação brasileira

A Lei 12.984 define como crime a discriminação contra pessoas que vivem com HIV/aids no Brasil. São passíveis de punição instituições e pessoas que negarem educação, saúde ou emprego às pessoas soropositivas, bem como as que promoverem sua segregação ou divulgarem seu estado sorológico com o intuito de ofendê-las.

Entretanto, Adele Benzaken, diretora do departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das ISTs, HIV/Aids e Hepatites Virais, afirmou que as leis anti-discriminação não reduzem as taxas de HIV; elas não têm grande impacto na saúde pública, pois servem para punir comportamentos.

Para Adele Benzaken, diretora do departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das ISTs, HIV/Aids e Hepatites Virais, é importante discutir não somente sobre discriminação, mas sobre a mortalidade, causada pelo diagnóstico tardio, irregularidades e abandono do tratamento.

Caio Oliveira, do UNICEF, destacou que o artigo 130 do Código Penal brasileiro já tipifica como crime a exposição de pessoas a moléstias graves. Dessa maneira, não seria necessário que o PL 198/2015 tornasse a transmissão do HIV/aids um crime hediondo. Oliveira afirmou que o crime hediondo cria repulsa e retira os direitos dos eventuais condenados. Com isso, as populações mais vulneráveis enfrentariam dificuldades de acesso aos serviços de saúde. “Precisamos assegurar que as pessoas que precisam não tenham mais problemas”, finalizou.

Estado e sociedade civil

Participaram do encontro, além de representantes do Sistema das Nações Unidas, lideranças de movimentos sociais, organizações não-governamentais e representantes do poder público. 

Pétala Brandão, da Conectas Direitos Humanos, afirmou que o PL é resultado dos retrocessos dos direitos humanos no Brasil: “ele é uma manifestação de uma ideologia punitivista, de recrudescimento penal, que cria estigma e vulnerabilização”.

Ela ressaltou que a participação das Nações Unidas é fundamental para a garantia dos direitos de todas as pessoas, mas que deve haver, imprescindivelmente, articulação com a sociedade civil e movimentos sociais.

Para a deputada Erika Kokay (PT/DF), o PL é reflexo da cultura punitivista do Brasil: esta cultura do medo se transforma em ódio e cria intolerâncias. O Projeto invisibiliza as diversidades sociais, disse a deputada.

Deputada Erika Kokay (PT/DF) e Georgiana Braga-Orillard, diretora do UNAIDS. Foto: Jorge Salhani/UNFPA Brasil

UNFPA e GT/UNAIDS

O Fundo de População das Nações Unidas atua fortemente a favor da agenda de direitos sexuais e reprodutivos. O UNFPA visa a promoção do serviço de saúde de qualidade universal, incluindo a prevenção e tratamento das infecções do aparelho reprodutor e das infecções de transmissão sexual, incluindo o HIV/aids.

O GT/UNAIDS é foi criado em 1997. Por meio de uma abordagem multissetorial, o grupo busca apoiar a resposta à epidemia de HIV/aids no país. Essa mobilização coloca o HIV entre os temas prioritários de atuação conjunta do Sistema ONU há vários anos.

O UNFPA, umas das 11 agências que compõem o GT, assumiu, neste ano, a presidência para o biênio 2017-2018.

Por Jorge Salhani/UNFPA Brasil.