UNFPA chegou a Roraima em 2017 para atuar na garantia de direitos das pessoas refugiadas e migrantes vindas da Venezuela
Por Isabela Martel
BOA VISTA, Roraima - Nelson e Zara eram muito jovens quando deixaram Ciudad Bolívar, na Venezuela, e pegaram um ônibus rumo à fronteira com o Brasil, em 2018. “Tínhamos o sonho de mudar de vida, como qualquer pessoa”, lembra Nelson, hoje com 26 anos. Depois de um dia inteiro de viagem, eles chegaram a Pacaraima, Roraima, e entraram no Brasil. “Quando trocamos todo o dinheiro que a gente tinha, deu só 124 reais”, conta ele. “As coisas ficaram muito difíceis, fomos gastando aos poucos, até que ficamos sem nada, não tínhamos onde dormir”, conta. Além disso, justamente na chegada ao país, surgiram suspeitas de que Zara poderia estar grávida. Foi neste contexto que o casal conheceu o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), em seu recém inaugurado espaço seguro no Posto de Interiorização e Triagem (PTRIG) da cidade. A equipe do UNFPA os acolheu e realizou o primeiro teste de gravidez de sua história em Roraima. Foi confirmado: Zara esperava um bebê.
O UNFPA em Roraima
O Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) chegou a Roraima no segundo semestre de 2017, com uma equipe formada por três consultoras. Em 2018, o time foi ampliado para oito pessoas, divididas entre Boa Vista e Pacaraima. Na época, o agravamento da crise econômica na Venezuela, fazia com que números crescentes de cidadãos do país, como Nelson e Zara, cruzassem a fronteira terrestre com o Brasil, com esperança de encontrar melhores condições de vida. De acordo com a Polícia Federal, entre 2017 e junho de 2022, mais de 763 mil pessoas venezuelanas entraram no Brasil e 301 mil solicitaram regularização migratória para buscar oportunidades aqui. Foi em resposta a este cenário que o UNFPA iniciou a sua atuação na emergência humanitária, com o objetivo de garantir os direitos das pessoas refugiadas e migrantes nas áreas de saúde sexual e reprodutiva e violência baseada no gênero. A partir disso, a história da agência começou a se cruzar com a de pessoas como Zara, Nelson e seu bebê.
As milhares de pessoas venezuelanas que chegavam – e ainda chegam – ao Brasil, o faziam com uma série de carências, necessidades e desafios. Entre eles, a incompreensão da língua portuguesa, o desconhecimento dos sistemas de saúde e proteção social brasileiros e, muitas vezes, condições de extrema vulnerabilidade socioeconômica. Com a Operação Acolhida, força-tarefa do governo brasileiro em resposta ao grande fluxo migratório, da qual o UNFPA é parte, ainda em estágios iniciais, havia muitos desafios em campo.
O atual chefe de escritório do UNFPA em Roraima, Igo Martini, chegou na região ainda em 2018 e foi testemunha ocular de todos os desenvolvimentos na estrutura da resposta humanitária da agência desde então. Foram – e são – muitos projetos, histórias e mudanças ao longo dos últimos cinco anos. “Desde 2018, quando a Operação Acolhida foi instituída por decreto presidencial, o UNFPA atua nas três frentes em Roraima: ordenamento de fronteira, acolhimento e interiorização. Com espaços seguros e equipes especializadas, atendemos milhares de pessoas ao longo destes cinco anos, apoiando as pessoas refugiadas e também a comunidade de acolhida, ou seja, a população roraimense”, afirma Igo.
Conquistas
“Amor e acolhimento”. Essas são as palavras que Nelson usa para descrever a relação que ele e a esposa criaram com o UNFPA. As orientações e cuidados com o casal os ajudaram a iniciar seu percurso no Brasil com dignidade. Quando pegaram um ônibus da Operação Acolhida de Pacaraima rumo a Boa Vista, Nelson lembra de uma pergunta que Igo Martini, que na época atuava em Pacaraima, lhe fez: “Vocês estão preparados para ter uma vida melhor?”. “Eu gostaria de tatuar essa frase, nunca esqueci dela”, diz ele. Depois de alguns meses, o casal foi interiorizado junto com o filho mais velho, que conseguiram trazer ao Brasil. Eles foram para o Rio Grande do Sul, onde a filha, Samara, nasceu.
Não era só a vida de Nelson e Zara que mudava: a resposta humanitária do UNFPA também foi tomando novas formas. Com o trabalho cada vez mais estruturado, em setembro de 2019, o UNFPA chegou ao Amazonas e passou a operar com uma equipe fixa em Manaus. Foi mais um passo importante na garantia de direitos da população refugiada e migrante, bem como no apoio aos governo estadual e municipal para atender também à população brasileira nos temas do mandato da agência.
Depois de dois anos, Nelson e Zara saíram do Rio Grande de Sul e se estabeleceram em Vila Velha, no Espírito Santo, por insistência da família, que acabou quase toda se mudando da Venezuela para lá. Ele, hoje com 26 anos, é vendedor em uma loja de moda masculina. Zara (29) trabalha na cozinha de um restaurante. Falando um português perfeito, Nelson conta que os filhos, Xavier (12) e Samara (3) estão integrados ao Brasil. “Moramos perto da praia, o clima é parecido com o da Venezuela, e a comida é perfeita”, diz. A família procura se estabilizar cada vez mais, e sonha em abrir o próprio negócio.
O UNFPA, por outro lado, conta hoje com uma equipe multidisciplinar de cerca de 50 trabalhadores e trabalhadoras humanitárias, entre consultores e staff fixo, atuando nos escritórios, espaços seguros nos Postos de Interiorização e Triagem (PTRIGs), abrigos da Operação Acolhida, ocupações espontâneas, e em diversos equipamentos da rede pública socioassistencial e de saúde. Atividades recorrentes envolvem rodas de conversa, sessões informativas, orientações individuais, gestão de casos de proteção, encaminhamento para as redes locais, oficinas e atividades educativas. Além disso, o UNFPA apoia a rede local de saúde na abertura de pré-natal, testagem para ISTs, distribuição de insumos e aconselhamento em contracepção. O teste de gravidez de Nelson e Zara foi apenas o primeiro de centenas que vieram desde então. O UNFPA segue atuando no norte do Brasil para que todas as pessoas possam ter a possibilidade de uma vida digna e melhor, assim como Nelson, Zara e sua família.
A resposta humanitária em Roraima e no Amazonas se insere no objetivo global do UNFPA de atingir os chamados três zeros até 2030: zero necessidades não atendidas de contracepção, zero mortes maternas evitáveis e zero violência e práticas nocivas contra mulheres e meninas. Para isso, o UNFPA busca fortalecer os serviços públicos de saúde e de apoio às mulheres, por meio de parcerias com os governos estaduais de Roraima e do Amazonas e as prefeituras de Pacaraima, Boa Vista e Manaus.