Para a socióloga Vilma Reis, a existência dos movimentos sociais e de instituições, coletivos, grupos, redes e ONGs são fundamentais para reverter e/ou reduzir o impacto das problemáticas sociais e começar a operar a mudança
A violência contra mulheres e meninas é uma das violações de direitos humanos mais recorrentes no mundo. Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), uma em cada três mulheres sofrerá abuso físico ou sexual durante a vida. Apesar dos inúmeros esforços dos equipamentos de governo disponíveis e existentes para prevenção e enfrentamento, nos âmbitos local, nacional e internacional, os casos seguem aumentando. Neste sentido, a luta impulsionada por organizações da sociedade civil se apresenta como estratégica para a mudança deste cenário.
Segundo dados da 13ª Edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2018, 1.206 mulheres foram vítimas de feminicídio, sendo 61% delas mulheres negras e 52,3% dos assassinatos cometidos por arma de fogo. Em 88,8% dos casos, o autor era o companheiro ou o ex-companheiro da vítima. Para Vilma Reis, socióloga e integrante da Mahin - Organização de Mulheres Negras, a violência contra as mulheres é uma “desigualdade de gênero brutal” que tem a ver com a “cultura de violência que se manifesta em situações cotidianas, de negação das mulheres”.
O Relatório de Situação da População Mundial 2019 (SWOP), lançado globalmente pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e intitulado Um trabalho inacabado: a busca por direitos e escolhas para todos e todas, aponta que para alcançar o desenvolvimento e para que todas as pessoas desfrutem de direitos, a violência baseada em gênero precisa ser enfrentada. Violências como a sofrida há pouco mais de um mês, por Elitânia de Souza Hora, 25, violentamente assassinada a tiros, a despeito de uma medida protetiva, em um caso suspeito de feminicídio no interior da Bahia (confira nota pública de repúdio emitida pelo UNFPA Brasil).
Segundo a representante do Fundo de População da ONU no Brasil, Astrid Bant, o problema é tão “estrutural e global” que, em sua opinião, pode ser comparado à pobreza. Como estratégias de prevenção, Astrid afirma que é preciso trabalhar uma mudança de atitude bem cedo, conectando-se à juventude. “Uma vez que a pessoa está dentro de uma relação violenta e chegou a um nível alto de aceitação, sair disso é muito difícil. Por isso temos que incentivar uma mudança social, um pacto com toda a sociedade, inclusive entre as relações de convivência”, disse.
Esforços para transformação social
Para Vilma Reis, a existência dos movimentos sociais e de instituições, coletivos, grupos, redes e organizações não governamentais são fundamentais para reverter e/ou reduzir o impacto destas problemáticas sociais e começar a operar a mudança. “O cenário está mudando no Brasil por conta das mulheres que se levantaram após Marcha de Mulheres Negras, em 2015, e das organizações que fazem um novo feminismo negro com as mulheres jovens negras”.
A socióloga mencionou organizações que considera referências na promoção dos direitos das mulheres: Geledés, em São Paulo, a Criola, no Rio de Janeiro, a Rede de Mulheres Negras e o Instituto Odara, ambas em Salvador, e a Rede de Mulheres de Terreiros. “Cada uma na sua diversidade política é importante. Eu integro a Mahin, uma organização que vem assumindo tarefas políticas ao lado de muitas outras para mudarmos a representação política no país”. Para ela, as questões enfrentadas pela sociedade civil estão relacionadas ao Brasil ser conservador. “O nosso país faz controle a sexualidade das mulheres. Isso é violência. A saúde sexual das mulheres é colocada no lugar reprodutivo ou de anulação”.
Ainda de acordo com Vilma, a luta da sociedade civil é de “guerra de sentido”. “Tem um velho mundo que não aceita que chegamos no século XXI e estamos promovendo uma revolução. A sociedade só está onde está porque nós mulheres negras feministas, LGBTQIs, de candomblé e outros segmentos religiosos, lutamos contra a cultura de violência disseminada contra nós”. E estas mulheres estão espalhadas em organizações e espaços importantes em pautar e enfrentar as violências, tais como: Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde (SP), Themis – Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero (RS), Rede Feminista de Saúde, Agência Patrícia Galvão (RJ), entre tantas outras.
Para Talita Rodrigues, psicóloga, mestranda em saúde pública pela Fiocruz e integrante do Coletivo Mangueiras, as organizações feministas de forma geral e de direitos humanos precisam e devem estar nas comunidades ao lado as mulheres fazendo o fortalecimento político, mas também denunciando as negativas de direitos. Ou seja, sem substituir o dever do Estado. “Em Pernambuco tenho visto no âmbito do combate à violência o Grupo Curumin, o SOS Corpo, a Rede de Mulheres Negras, o Fórum de Mulheres de Pernambuco e o Mangueiras, que têm feito várias atividades de formação em defesa dos direitos sexuais e reprodutivos”, destacou.
A pesquisadora mencionou a importância da Articulação de Mulheres Brasileiras e a Articulação de Mulheres Negras Brasileiras, que têm sustentado o debate e representado estas organizações no âmbito internacional, além de novas frentes que se apresentam com o avanço das mídias sociais e novas tecnologias. “Outro fenômeno que não podemos deixar de pontuar neste enfrentamento são os coletivos de jovens, de comunidades e grupos de internet, outras formas de organização que as mulheres têm construído para lidar com as dinâmicas do dia a dia e enfrentar as várias violações que sofremos”.
Texto Midiã Noelle