Encontro reuniu cerca de 70 mulheres venezuelanas durante três dias de trabalho para conhecer instrumentos de participação política, identificar principais demandas e dialogar com representantes de governos locais e nacional
Mulheres refugiadas e migrantes que vivem em Roraima deram um importante passo pela garantia de seus direitos no Brasil. Na última semana, um grupo de cerca de 70 mulheres apresentou a representantes de governos municipais, estadual e federal um documento com as principais demandas e propostas de políticas públicas para melhorar o acesso a direitos fundamentais, como saúde, trabalho decente e educação.
A entrega foi um dos resultados do II Encontro de Mulheres Refugiadas e Migrantes do Norte, realizado nos dias 14, 21 e 22 de março em Boa Vista (RR) dentro das atividades do Programa Moverse, conduzido conjuntamente pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) e ONU Mulheres, com o financiamento do Governo de Luxemburgo. Além da escuta das demandas das mulheres, a iniciativa teve como objetivo contribuir para a organização e o fortalecimento de coletivos de refugiadas e migrantes, inclusive as indígenas, para que elas conheçam e façam uso dos instrumentos disponíveis para a participação política no Brasil.
Conhecimento e demandas
Os dois primeiros dias de atividade foram focados no compartilhamento de informações sobre os serviços públicos e instrumentos de incidência política, além do levantamento das demandas mais urgentes da população migrante e refugiada para ter acesso a direitos garantidos no Brasil pela Lei de Migração (Lei 13.445/2017). Partindo desta base, foram criados grupos de trabalho relacionados a: documentação, acesso a direitos, empoderamento econômico (trabalho e renda) e violência baseada no gênero/LGBTfobia. Em cada grupo, as mulheres avaliaram os avanços e compromissos assumidos no primeiro encontro, realizado em 2021, e realizaram o mapeamento de demandas que persistiram ou surgiram neste intervalo, indicando propostas de políticas públicas para endereçar essas lacunas.
“Eu tive a honra de estar no primeiro encontro e as nossas inquietudes foram acolhidas. Houve avanços e eu fico feliz”, ressaltou Vanessa, que participou do grupo de trabalho sobre documentação. “Uma das nossas propostas é que seja feito um censo das pessoas refugiadas e migrantes, para sabermos as profissões de cada um, para sabermos com quem a gente conta. Precisamos criar uma política pública para o reconhecimento e validação dos diplomas. Estabelecer um sistema de cotas, uma política afirmativa na Câmara Municipal ou na Assembleia Legislativa, também para as pessoas migrantes”, completou.
Outro desafio apontado pela maioria dos grupos foi com relação ao transporte e deslocamento para a capital e áreas centrais de Boa Vista, onde a maior parte das oportunidades de capacitação estão concentradas. “Tem tudo no centro da cidade, mas quem mora longe não tem condições financeiras de pagar pela passagem para ter acesso à universidade, a cursos no Senai ou Senac, às vezes sequer ao próprio PTRIG, para fazer sua documentação”, ressaltou Mayra, que integrou o grupo de empoderamento econômico. “Eu estou há cinco anos no Brasil e não tenho um rádio, uma televisão. Me informar por esses meios é difícil. Uma Casa do Migrante, onde pudéssemos ser atendidos e obter todas as informações de que precisamos, nos ajudaria muito.”
Compromissos assumidos
A presença de representantes do poder público, em diferentes esferas, ofereceu a oportunidade de integração e de que o representantes assumissem compromissos ainda durante o encontro. Um documento com compilado das demandas foi entregue a representantes do poder público presentes no evento, assim como à coordenação de Ciências Humanas da Universidade Federal de Roraima (UFRR), que disponibilizou o espaço para a realização do evento. O compilado de demandas também foi enviado ao Ministério da Justiça por meio do aparelho de consulta pública criado para receber contribuições para a Política Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia.
Desafio presente no cotidiano da população refugiada e migrante, o acesso à informação e atendimentos na língua nativa (espanhol ou de etnias indígenas) foi uma demanda urgente indicada no encontro. “Nós queremos o direito ao intérprete, ao tradutor, para quando as pessoas migrantes precisarem acessar determinados serviços públicos, como os de saúde e documentação. Além disso, por que em Boa Vista não podemos ter, por exemplo, uma lei para sinalização bilíngue em locais públicos?”, questionou Joany, que integrou o grupo de trabalho relacionado à documentação.
A partir dessa identificação, a representante do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Barbara Pereira dos Cravos, ressaltou que existe, a nível federal, a possibilidade de destinar recursos aos municípios para oferecer intérpretes nos postos de atendimento a cidadãos, como os postos de saúde, – basta que os municípios solicitem. Baseadas nessa informação, as mulheres refugiadas e migrantes também se comprometeram a se organizar e acionar representantes dos municípios para que essa requisição seja feita oficialmente.
A defensora pública-geral da Defensoria Pública do Estado de Roraima, Terezinha Muniz, esteve presente nas duas edições do Encontro de Mulheres Refugiadas e Migrantes do Norte e reforçou a importância desse contato direto e troca de informações. “Nós atuamos com políticas públicas, somos protagonistas na execução e na formação dessas políticas, e a melhor política é aquela que demanda da população que necessita. Eu estar aqui nesse momento, ouvindo as necessidades das mulheres migrantes, tem uma importância enorme porque a partir dessa demanda que a própria Defensoria Pública traça sua atuação em prol dessas mulheres”, destacou.
Confira o vídeo de cobertura do encontro a seguir:
Particularidades locais
A escolha de Boa Vista para o encontro tem papel estratégico, já que o estado de Roraima representa a principal porta de entrada das pessoas vindas da Venezuela nos últimos anos. Com a realização do evento, espera-se contribuir para o desenho de políticas públicas que atendam às necessidades e demandas das mulheres refugiadas e migrantes que vivem na Região Norte, além de aprimorar o acesso aos serviços públicos, visando a criação de política estadual de migração e a constituição do Núcleo Estadual de Mulheres Refugiadas e Migrantes.
O olhar para as mulheres e meninas é fundamental, pois elas são as mais afetadas nas crises humanitárias, evidenciando pontos críticos como a pobreza, separação familiar, discriminações em oportunidades de trabalho, mudanças nos papéis de gênero, barreiras no acesso a serviços de proteção e exposição a maiores riscos de violência.
Sobre o Moverse - No Brasil, o Fundo de População da ONU (UNFPA), ONU Mulheres e ACNUR, com o financiamento do Governo de Luxemburgo, desenvolvem conjuntamente o programa Moverse – Empoderamento Econômico de Mulheres Refugiadas e Migrantes. O objetivo é o fortalecimento dos direitos econômicos e das oportunidades de desenvolvimento entre venezuelanas refugiadas e migrantes. O programa é realizado desde setembro de 2021 e envolve empresas, instituições e governos nos temas e ações ligadas a trabalho decente, proteção social e empreendedorismo. O Moverse também atua diretamente com mulheres refugiadas e migrantes, para que elas tenham acesso a capacitações e a oportunidades no mercado de trabalho e no empreendedorismo. Outra frente de trabalho do programa é ligada à violência baseada em gênero. Para receber informações sobre o Moverse, inscreva-se na newsletter.