A estudante de serviço social e ativista de direitos humanos teve a vida interrompida. UNFPA e ONU Mulheres lamentaram a perda
Salvador 11/12/2019 - Elitânia de Souza da Hora. Determinada, inteligente, dona de si. Uma vida promissora que foi interrompida repentinamente, aos 25 anos. A ativista de direitos humanos e liderança da Comunidade Quilombola do Tabuleiro da Vitória, em Cachoeira, município no recôncavo da Bahia, era uma pessoa incansável na defesa dos/das mais desfavorecidos/as. Na quarta-feira, 27 de novembro, a jovem foi vítima do crime violento, suspeito de feminicídio, na entrada da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), local onde a baiana estudava e inspirava colegas e professores.
A perda comoveu o Brasil. O Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e a ONU Mulheres publicaram uma nota de apelo pelo fim da violência contra as mulheres. “Este crime, assim como os muitos feminicídios anteriores que tiraram a vida das mulheres, nos mostram o quão urgente é a necessidade de intensificar esforços e investimentos na prevenção da violência contra as mulheres. Em 2018, 1.206 mulheres foram vítimas de feminicídio, sendo 61% de mulheres negras e 52,3% dos assassinatos cometidos por arma de fogo”, enfatizou a nota a partir dos dados da 13ª Edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, lançado em outubro pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Em 88,8% dos casos, o autor do crime foi o companheiro ou ex-companheiro da vítima.
Referência
“Queremos nos lembrar de Elitânia não a partir de sua morte, ou como vítima de feminicídio, mas pela sua história. E vamos lutar pela manutenção da memória dela”, destaca Lucas Ribeiro, do Movimento Nacional dos Estudantes Quilombolas, em crítica às abordagens e narrativas construídas pela mídia sobre casos de violência sofridos por mulheres. Ele, ao lado de Elitânia, buscou garantir direitos de jovens quilombolas do recôncavo. “Preta, militante, empoderada. Se a gente tinha mobilização, ela estava conosco. Se tínhamos algo para resolver, ela estava lá. Passei nove meses sem bolsa estudantil e ela me fortaleceu. Elitânia é referência de resistência”.
Elitânia era o exemplo de jovem que compreendia os seus direitos. Não tinha filhos, estimulava as mulheres das suas comunidades (universitária e quilombola) a decidir as melhores escolhas para suas vidas, bem como as incentivava no acesso aos estudos. De acordo com Raquel Alves, colega de turma e uma das suas melhores amigas, a estudante de serviço social lutava contra todas as formas de discriminação e opressão.
“O fato de ela ser quilombola e eu indígena, nos fez ter lutas semelhantes, mas cada uma com suas especificidades. Eli era uma pessoa positiva e sempre falava: ‘somos a esperança’. Do nosso povo, dos nossos mais velhos. E essa frase tem me mantido forte”, lembra. A jovem da comunidade indígena Jenipapo-Kanindé ao lado de Elitânia e outras colegas formavam o grupo “Causadoras do Cahl”, em referência ao ativismo estudantil dentro do Centro de Artes, Humanidades e Letras da UFRB.
Para Denize Ribeiro, professora, militante do movimento de mulheres negras, e integrante do Negras - Núcleo de Estudos e Pesquisas em Gênero, Raça e Saúde da UFRB, “uma sociedade que permite violências como a sofrida por Elitânia, não é um lugar seguro para ser mulher e desenvolver todo seu potencial”. Ela conta o processo de empoderamento da estudante na instituição. “Ela nos ouviu e tentou sair daquela relação abusiva. Veio para a universidade e assumiu tarefas como a liderança estudantil e quilombola. Trabalhava como podia e se dedicava aos estudos. Ela foi tornando-se negra ao longo do tempo. Crescia e florescia, mas tudo isso foi arrancado brutalmente, não só dela, mas de todas nós com a sua morte. Ela foi interrompida pelo machismo”.
Denize enfatiza ainda que as meninas e mulheres devem ser o que quiserem ser, mas em uma sociedade violenta, elas tornam-se vítimas tendo suas trajetórias modificadas. “O machismo institucional e estrutural é uma grande barreira na vida e no desenvolvimento das mulheres. Muitas são impedidas de estudar, de trabalhar, de sair para se divertir, de ter uma religião diferente das outras pessoas da família, de crescerem sem a ameaça de serem estupradas pelos homens da família, de terem a profissão que quiserem, de terem os filhos que quiserem, de namorarem com quem quiserem, de não atenderem ao padrão heteronormativo, de vestirem a roupa que gostarem e até sonhar com outra realidade”.
O depoimento da educadora dialoga com o Relatório da Situação da População Mundial 2019 (SWOP), intitulado “Um trabalho inacabado: a busca por direitos e escolhas para todos e todas”. O documento nos mostra que, “de todos os obstáculos para a conquista e o exercício dos direitos humanos, inclusive os direitos reprodutivos, poucos provaram ser tão difíceis de superar quanto aqueles baseados em gênero e que este tipo de desigualdade limita a capacidade das mulheres de tomarem livremente decisões fundamentais sobre quando e com quem querem fazer sexo; o uso de contracepção ou assistência à saúde; se e quando procurar emprego ou se deve buscar o ensino superior”.
Por Midiã Noelle