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Violência sexual em conflitos: uma crise invisível

Os conflitos estão aumentando. Vemos as imagens em toda parte. Na Internet e nos noticiários. Às vezes, até em nossas próprias comunidades. Soldados armados correm em frente a prédios destruídos, ao longo de ruas repletas de destroços e vestígios de vidas humanas.

Entretanto, uma das formas mais horríveis de violência em conflitos é raramente vista – aquela cometida nos corpos de mulheres e meninas. O estupro, a agressão sexual, o casamento forçado, a escravidão sexual e outras formas de violência baseada em gênero são desenfreados nas guerras modernas.

O UNFPA continua profundamente preocupado com a violência deplorável sofrida principalmente por mulheres e meninas, mas também por homens, meninos e pessoas de comunidades marginalizadas - e com o fato de que a maioria dos casos não é denunciada e fica impune. Os agressores agem com impunidade, usando abertamente a violência sexual como arma de guerra. Grupos terroristas e redes criminosas transnacionais também recorrem à violência sexual para provocar pânico e traumatizar comunidades. O discurso de ódio baseado em gênero nas redes sociais incita mais violência. Alvos específicos podem incluir mulheres construtoras da paz e defensoras dos direitos humanos, bem como aquelas que prestam assistência a sobreviventes de violência sexual.

De acordo com o direito internacional, o estupro sistêmico e outras formas de violência sexual estão listados como crimes contra a humanidade e crimes de guerra. Então, por que o progresso para impedi-los é tão lento? O relatório mais recente do Secretário-Geral das Nações Unidas sobre violência sexual relacionada a conflitos constatou que mais de 70% dos atores estatais e não estatais citados no relatório são agressores criminosos reincidentes, tendo cometido crimes por cinco anos ou mais. Cada novo conflito, inclusive agora na Ucrânia e no Sudão, traz novos relatos desse ciclo vicioso que começa mais uma vez.

A situação pode se tornar ainda pior. Cerca de 350 milhões de pessoas precisam de assistência humanitária atualmente, mais do que o dobro do número de apenas três anos atrás. Conflitos novos e prolongados provocaram grande parte desse aumento, colocando milhões de pessoas em risco de violência sexual. Muitas pessoas das que se tornam vítimas têm dificuldade de acesso à ajuda, pois o conflito e a insegurança destroem os sistemas de saúde e justiça. Muitos terão muito medo ou vergonha de procurar atendimento.

Quando isso vai parar? Com as taxas atuais de mudança, a resposta parece ser nunca. Não podemos aceitar essa resposta. A violência sexual destrói vidas e viola os direitos humanos. Essa realidade não deve ser "normalizada" como algo que está destinado a acontecer, algo que não pode ser interrompido.

Toda pessoa tem o direito humano à vida, à liberdade e à segurança pessoal. Pessoas como Mahlet*, de 17 anos, que foi estuprada quando fugiu de um conflito na Etiópia. Ou Rehman*, que sobreviveu à guerra no Iêmen e se casou aos 15 anos com um homem que a maltratou violentamente.

As duas jovens encontraram assistência por meio de serviços que salvam vidas, fornecidos pelo UNFPA, a agência de saúde sexual e reprodutiva da ONU, que coordena a resposta à violência de gênero em mais de 30 contextos de emergência. Essa é uma rede poderosa de milhares de agentes locais e comunitários que estão engajados em acabar com a violência sexual por meio de prevenção, divulgação e redução de riscos.

No Dia Internacional para a Eliminação da Violência Sexual em Conflitos, convocamos a comunidade global a ampliar enormemente as ações e o financiamento para atender a essas necessidades crescentes. Dos fundos necessários para prevenir e combater a violência de gênero em ambientes de crise em 2023, apenas 5% foram recebidos.

Precisamos trabalhar de forma conjunta para acabar com esse horror, e não permitir que ele se repita indefinidamente.

*Nomes alterados

Por Dra. Natalia Kanem, Diretora Executiva do UNFPA