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A Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados realizou na manhã desta terça-feira (12/12) uma audiência pública com o tema: Gravidez na adolescência: sonhos interrompidos. A reunião foi convocada pela Deputada Federal Érika Kokay e contou com a participação de especialistas no tema, parlamentares, adolescentes e outras autoridades.
 
Anna Cunha, Oficial de Programa do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), abriu os debates da audiência pública e disse que o mundo atualmente vive o momento histórico de ter a maior população jovem com mais de um bilhão de adolescentes e jovens. Essa realidade exige um olhar diferenciado para este segmento que é, segundo ela, primordial para pensar o desenvolvimento global e a garantia de diretos humanos para os próximos anos, principalmente no contexto da Agenda 2030 e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis, compromissos assumidos pelos países com as Nações Unidas em 2015.
 
Sobre a gravidez na adolescência, a Oficial do UNFPA relatou que o Brasil segue a tendência vivenciada na Região da América Latina e Caribe. No país, em quase 20% dos nascimentos, os bebes são filhos de jovens com 19 anos ou menos. O perfil das adolescentes mães brasileiras segue uma tendência de: a maior parte reside no Nordeste, quase 70% são pretas e pardas; elas têm em média sete anos de estudo; e 20% ficam sem estudar e sem ter trabalho remunerado.
 
“Além de fornecer informação e acesso a métodos contraceptivos, é necessário trabalhar o empoderamento na vida dessas adolescentes. Não basta ter informação sem ter o empoderamento das meninas. E quando a gravidez ocorrer, ela não pode ser vista como o fim da vida da adolescente. Os serviços de saúde precisam primeiramente acolhê-la de forma humanizada e com qualidade-. Além disso, as escolas devem permitir que adolescentes mães possam vir a retomar suas trajetórias educacionais bem como devem ser estabelecidos mecanismos para queo mercado de trabalho não discrimine essas jovens mães”, ressaltou Anna Cunha.
 
Também presente na audiência a Coordenadora-Geral de Saúde dos Adolescentes e Jovens do Ministério da Saúde, Taissa Freiberger salientou que a gravidez na adolescência é decorrente em muitos casos devido a causas territoriais, culturais, étnicas e econômicas. Além disso advertiu que apesar dos avanços e dos programas implementandos dentro dos serviços públicos de saúde, ainda há a necessidade de mudança de cultura por parte dos profissionais que atuam na ponta para que acolham melhor as adolescentes grávidas.
 
“Estudos comprovam que, além dos prejuízos sociais, a gravidez na adolescência aumenta a incidência de hipertensão, as tentativas de abortamento, a desnutrição, os casos de violência obstétrica e mais chances de os bebês nascerem prematuros e com baixo peso. Para mudar esse quadro é preciso entender que os jovens têm direitos sexuais e reprodutivos que precisam ser respeitados, além de poderem ter a chance de decidir quando e com quem querem ter relações e como e quando querem ter filhos. Decisões livres e responsáveis geram pessoas esclarecidas e saudáveis para terem outra trajetória de vida”, afirmou a representante do Ministério da Saúde.
 
Escola como espaço de construção
 
Em todas as falas durante a audiência foi destacada a importância do envolvimento da escola no processo de informação sobre direitos reprodutivos e sexuais de adolescentes e jovens.
 
Vilmara Pereira do Carmo, Secretária de Assuntos e Políticas para Mulheres Educadoras do Sindicato dos Professores do Distrito Federal (SINPRO-DF), relembrou que quando estava em sala de aula, o sentimento que a tomava quando sabia da gravidez de uma aluna - e que ela acredita que ainda acontece com vários professores – é traição. “O nosso sentimento era que essa aluna nos traiu porque muitas vezes são alunas dedicadas e pensávamos que aquele projeto de educação pensado para ela estava sendo traído. Isso veio mudando com o tempo dentro de mim”.
 
A professora apresentou uma pesquisa que ela fez com ex-alunas, que tiveram filhos e outras que não. Ela fez duas questões: o que pensaram ou pensariam quando souberam ou se ficassem grávidas e o que achavam da escola nesse processo. “A resposta unânime da primeira pergunta foi desespero, seguida de medo, choque, abandono e frustação. Para a segunda questão elas disseram que se sentem decepcionadas com a escola por falta de debate, e que quando há o processo de discussão, ele é interrompido e não há seguimento”, relatou Vilmara.
 
A relevância da escola no amplo debate sobre direitos sexuais e reprodutivos também foi abordado por Lia Zanotta Machado, Presidente da Associação Brasileira de Antropologia. Para ela, todos os espaços da sociedade devem ter essa questão nas agendas, principalmente no âmbito das populaçõesem situação de vulnerabilidade.
 
“As meninas negras, pobres, e das periferias são, de acordo com as pesquisas, as que mais ficam grávidas de forma indesejada, ou seja, falta chegar conhecimento lá e nesse conhecimento lá eu posso ficar grávida, ou não, e eu posso ter o apoio, mas jamais ser reprimida, jamais ser oprimida”, destacou Zanotta.
 
Encaminhamento
 
A Deputada Federal, Érika Kokay, responsável pela audiência informou que a ideia desse encontro e de outros debates já realizados pela Comissão como direito das meninas, casamento precoce e o de hoje gravidez na adolescência devem fazer parte de uma publicação. A ideia é que as discussões e dados abordados nesses encontros possam contribuir para a formulação de políticas públicas específicas para essa população.
 
“A ausência de políticas públicas, entre outros pontos, faz com que as meninas que ficam grávidas de forma não intencional e precoce sejam culpabilizadas e punidas. É preciso introduzir a educação sexual nas escolas para que as meninas (e meninos) possam se cuidar. Elas precisam ter seu direito sexual e reprodutivo reconhecido, além de viver a sexualidade de acordo com cada etapa da vida”, afirmou a parlamentar.