Mulheres e meninas venezuelanas grafitaram muro de 8 metros na cidade. Iniciativa é parte do Programa Moverse e encerrou participação do UNFPA na Campanha dos 21 Dias de Ativismo de 2022
Por Isabela Martel
BOA VISTA, Roraima – A jovem abre um pequeno caderno e mostra alguns desenhos. São esboços de personagens, coloridos com lápis de cor. “Eu gosto muito de desenhar”, conta Ericka, de 17 anos. Ela saiu de San Félix, na Venezuela, e chegou ao Brasil há três meses. Há dois, mora com a mãe, o padrasto e os cinco irmãos no Abrigo Pricumã, em Boa Vista, Roraima. Quando mostrou seu caderno, Ericka tinha acabado de sair do primeiro de dois encontros da oficina de grafitagem promovida na cidade pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) para um grupo de 12 mulheres e meninas refugiadas e migrantes da Venezuela. Na ocasião, as participantes se conheceram e aprenderam sobre conceitos e tipos de violência, ciclo da violência, mecanismos de denúncia e leis de proteção, como a Lei Maria da Penha. Depois deste momento teórico, chegou a hora de pôr as mãos - ou pincéis - à obra.
Um legado para a cidade
No dia 10 de dezembro, um sábado, Ericka e as demais meninas e mulheres se reencontraram para a segunda etapa da oficina. Desta vez, no Parque do Rio Branco, um dos cartões postais de Boa Vista. Protegidas do sol forte de Roraima por uma tenda, elas estavam diante de um muro branco de oito metros. Aquele mesmo muro iria mudar radicalmente. Lideradas pela artista local Diana Afronativa, as mulheres estavam ali para pintá-lo. Isso porque, no primeiro encontro – aquele em que Ericka mostrou seus desenhos – elas planejaram uma intervenção artística para marcar a cidade na conscientização pelo fim da violência contra meninas e mulheres. A iniciativa, realizada através do Programa Moverse, teve apoio da Prefeitura de Boa Vista e do comando da Operação Acolhida, e foi o ato final do UNFPA na Campanha dos 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra Mulheres e Meninas de 2022.
No início, o grupo se dividiu: enquanto umas preparavam as tintas, outras posicionavam as escadas. Até que ficou tudo pronto: hora de pintar. Conforme as horas passavam, e os pincéis agiam, o muro foi se transformando. Com ele, as feições das artistas também ficavam cada vez mais coloridas. À medida que as figuras tomavam forma, iam chamando a atenção de quem passava. Em meio a risadas e danças, as mulheres continuavam pintando. No meio, estava Ericka: “Me emocionou pintar, porque eu nunca tinha feito algo assim. É muito lindo estar aqui. Não é fácil ir para outro lugar, deixar as suas amizades, e se adaptar. Eu nunca pensei que ia vir para o Brasil, muito menos que ia pintar e fazer novas amizades aqui”, conta ela. “Hoje eu conheci coisas que eu nunca tinha visto, como este lugar”, diz referindo-se ao Parque Rio Branco. “Eu nunca saio do abrigo, só para comprar comida de vez em quando”, conta.
“É um legado simbólico da trajetória dessas mulheres e do percurso que têm trilhado que fica registrado no mural. Um dos compromissos do UNFPA é engajar os múltiplos atores da sociedade em zerar a violência e as práticas nocivas contra mulheres e meninas. Assim, este mural é um lembrete de que as mulheres e meninas merecem ter autonomia sobre suas vidas, seus corpos e destinos”, afirma Júnia Quiroga, representante auxiliar do UNFPA no Brasil.
A mensagem por trás dos desenhos é clara. “Demonstra que as mulheres não estão sozinhas, que não precisam viver presas ou sofrendo em silêncio”, explica Ericka. Além de deixar um legado para a cidade, a atividade de grafitagem reforçou um sonho: “O meu sonho é voltar para a Venezuela com um diploma, exercendo a carreira que eu quero.”
“E qual é essa carreira?"
“Desenho gráfico”, diz, com um sorriso.
21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra Mulheres e Meninas
A Campanha dos 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra Mulheres e Meninas é uma campanha mundial que promove atividades de conscientização pelo fim da violência baseada no gênero. A campanha tem início em 25 de novembro, Dia Internacional de Combate à Violência Contra a Mulher, e termina no dia 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos. No Brasil, a mobilização tem duração mais longa: são 21 dias, começando em 20 de novembro, Dia da Consciência Negra. Em apoio a esta iniciativa da sociedade civil, a ONU criou em 2008 a campanha UNA-SE, que convoca governos, sociedade civil, setor privado, mídia e todo o sistema ONU para unir forças e enfrentar a pandemia global da violência contra mulheres e meninas.
Durante as três semanas de mobilização, o UNFPA realizou diversas atividades em Boa Vista, Pacaraima e Manaus. Elas incluíram: rodas de conversa, distribuição de materiais de comunicação, sessões informativas, atividades com homens sobre masculinidades, workshops, produção e exposição de cartazes, caminhada, cinedebate, lives no YouTube, e a oficina de grafitagem.
O UNFPA trabalha com a meta global de alcançar zero violência e práticas nocivas contra meninas e mulheres até o ano de 2030.
Sobre o Moverse
O programa conjunto MOVERSE é implementado pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) e ONU Mulheres , com o apoio do Governo de Luxemburgo. O objetivo geral é garantir que políticas e estratégias de governos, empresas e instituições públicas e privadas fortaleçam os direitos econômicos e oportunidades de desenvolvimento entre mulheres venezuelanas refugiadas e migrantes.
A iniciativa é construída em três frentes. A primeira trabalha diretamente com empresas, instituições e governos nos temas e ações ligados a trabalho decente, proteção social e empreendedorismo. A segunda aborda mulheres refugiadas e migrantes diretamente, para que tenham acesso a capacitações e a oportunidades ligadas ao mercado laboral e ao empreendedorismo. A terceira frente trabalha para que as mulheres tenham conhecimento e acesso a serviços de resposta à violência baseada em gênero.
Para receber mais informações sobre o Moverse e sobre a pauta de mulheres refugiadas e migrantes no Brasil, cadastre-se na newsletter do programa.