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Há dois anos no Brasil, a venezuelana Leona é o retrato das mulheres refugiadas e migrantes que se adequam ao mercado de trabalho e, neste caso, passam a se dedicar profissionalmente aos trabalhos de cuidado

Quando Leona cruzou a fronteira entre o Brasil e a Venezuela na tarde do dia 31 de dezembro de 2021, sentiu que, enfim, o novo ano traria o que tanto almejava há anos para si e para seus quatro filhos: acesso ao cuidado de saúde física e mental. Com uma situação delicada de saúde, que demandava uma cirurgia rápida, ela permaneceu em Pacaraima (RR), na fronteira do Brasil com a Venezuela, apenas o tempo necessário para emissão dos documentos brasileiros e para que ela e os filhos recebessem as vacinas exigidas para seguirem viagem até a capital, Boa Vista. Foi lá que, por 11 meses, ela esteve abrigada, pela estrutura da Operação Acolhida, recebeu atendimento médico e psicológico, e começou a viver um processo de transformação junto à família em razão de seus esforços e dedicação. 

“Nos levaram a Boa Vista com prioridade, por conta da situação de saúde. Quando meus filhos ficavam doentes na Venezuela, não tinha ajuda. No abrigo, sempre tive apoio, havia ambulância, levavam ao hospital. Comigo também. Depois que comecei a melhorar um pouco, busquei ajuda psicológica para mim e para meus filhos. Fomos atendidos. E foi aí que aprendemos o que era ter autoestima, aprendi a gostar de mim mesma, a me valorizar”, lembra Leona.

Foi no abrigo temporário Rondon 1 que ela conheceu o programa Moverse, realizado conjuntamente pela Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), ONU Mulheres e o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), com o apoio do Governo de Luxemburgo. Por meio do Moverse, Leona teve acesso a uma série de cursos, desde português até marketing, vendas e cuidado de pessoas idosas – profissão a que se dedica atualmente em face da formação que concluiu.  

“Os cursos me ajudaram a crescer mais como pessoa e a me desenvolver melhor aqui no Brasil. Agora já tenho como pagar minhas contas, como solucionar qualquer inconveniente, comprar comida, o que era muito difícil na Venezuela. Posso comprar roupas para meus filhos, eles têm acesso a saúde. Há uma diferença muito grande. Hoje me sinto independente”, comemora.

Leona é o retrato das pessoas que trabalham com cuidado, de forma remunerada ou não. Em todo o mundo, são as mulheres que ocupam a maior parte dos postos de trabalho ligados ao cuidado, como médicas, enfermeiras, cuidadoras de pessoas idosas e de crianças, trabalhadoras domésticas, assistentes sociais, entre outras. Das 380 milhões de pessoas que trabalham de maneira remunerada com cuidado, as mulheres representam 65%, de acordo com relatório da OIT. Entre os trabalhos de cuidado não remunerados, a predominância das mulheres é ainda maior – Em 2022, 91,3% das mulheres realizaram atividades ligadas aos afazeres domésticos, proporção que foi 79,2% entre os homens, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua.  E quando o recorte de raça e cor é feito, as mulheres negras, como Leona, são as que mais carregam esse peso.  

Na busca por reconhecer, redistribuir, reduzir, recompensar e representar os trabalhos de cuidado, em 29 de outubro de 2023 será lembrado, pela primeira vez, o Dia Internacional do Cuidado. 

A partir do curso de cuidadora de pessoas idosas, Leona garante não apenas o sustento da família, mas também nutre um sonho para um futuro próximo – o de voltar para a universidade. “Quero estudar enfermagem”, planeja. Ela afirma que, a partir do conhecimento adquirido nos cursos e da convivência com outras pessoas no tempo em que está no Brasil, sua vida mudou completamente.  

“Se não tivesse feito esses cursos pelo Moverse, não teria a segurança que tenho hoje em dia. Segurança no sentido de saber que eu posso fazer as coisas. Os cursos me ajudaram a me desenvolver, a não ter medo da vida, ao mundo que está lá fora.” 

Conheça um pouco mais sobre a história de Leona no vídeo a seguir:

Sobre o Moverse – Moverse é uma iniciativa implementada pela Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), ONU Mulheres e Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), com o apoio do Governo de Luxemburgo. Iniciado em setembro de 2021, o programa conjunto MOVERSE – Empoderamento Econômico de Mulheres Refugiadas e Migrantes no Brasil tem como objetivo geral garantir que políticas e estratégias de governos, empresas e instituições públicas e privadas fortaleçam os direitos econômicos e as oportunidades de desenvolvimento entre venezuelanas refugiadas e migrantes. Para alcançar esse objetivo, a iniciativa é construída em três frentes. A primeira trabalha diretamente com empresas, instituições e governos nos temas e ações ligadas a trabalho decente, proteção social e empreendedorismo. A segunda aborda diretamente mulheres refugiadas e migrantes, para que tenham acesso a capacitações e a oportunidades para participar de processos de tomada de decisões ligadas ao mercado laboral e ao empreendedorismo. E a terceira frente trabalha também com refugiadas e migrantes, para que tenham conhecimento e acesso a serviços de resposta à violência baseada em gênero. Para receber informações sobre o Moverse, inscreva-se na newsletter aqui.