Seguindo caminho similar ao percorrido pelo irmão dois anos antes, Loannys chegou ao Brasil apenas 4 dias antes de dar a luz
Por Pedro Sibahi
A busca por uma vida digna, a fuga de uma situação de risco ou ameaça, são alguns dos motivos que levam milhões de pessoas em todo o mundo a buscar refúgio em um país diferente daquele em que nasceram. O dia 20 de junho, Dia Mundial do Refugiado, é uma data que busca conscientizar sobre a situação dos refugiados em todo o mundo. São histórias de vida que envolvem superação, sofrimento, mas sobretudo força e coragem. Histórias como a de Loannys Roca Valenzuela.
Na madrugada de 5 de fevereiro de 2021, pouco antes das 5h da manhã, a jovem Loannys, então com 24 anos, deu à luz sua primeira filha, Evelianny, na Maternidade Nossa Senhora de Nazaré, em Boa Vista, Roraima. Fazia uma semana que ela havia ingressado no Brasil junto com os pais, vinda da Venezuela. Ainda sem documentos, mas com o apoio do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), conseguiu acessar o Sistema Único de Saúde. A felicidade ao ver o rosto de seu bebê veio junto com o alívio de quem enfrentou grandes riscos e privações na busca por um recomeço, seguindo os passos do irmão que já havia percorrido caminho similar dois anos antes.
Foi ainda no início de 2019 que Ricardo, seu irmão mais velho, tomou a decisão de tentar a sorte fora da Venezuela, junto a seu companheiro Jesus Daniel. Como boa parte da população refugiada e migrante, a decisão de migrar veio por conta da crise econômica, que corroeu o poder de compra dos salários em seu país natal.
O primeiro a cruzar a fronteira foi Ricardo. Em uma manhã ele ligou para o namorado falando que havia surgido uma oportunidade para viajar ao Brasil e que precisava responder prontamente. “Não foi fácil, mas eu disse para ele: vai, a gente tem que procurar crescer, melhorar, se essa oportunidade apareceu, aproveita”, relembra Jesus, que contou a história ao UNFPA por telefone. Semanas depois, ele tomou o mesmo caminho.
“Quando chegamos a Boa Vista, no início vivemos na rua, até passar pelo processo de acolhimento, ficar nos refúgios, achar uma vaga nos abrigos, e aí conhecemos o UNFPA”, relembra Jesus. “Deram muita ajuda para a gente, especialmente para entender a parte das leis, deram artigos de limpeza, coisas para ficarmos mais tranquilos”, acrescenta.
Jesus e Ricardo passaram cerca de sete meses em Roraima, participaram de atividades culturais e projetos sobre orgulho LGBTI promovidos pelo Fundo de População das Nações Unidas. Depois, pelo processo de interiorização social promovido pela Operação Acolhida, seguiram para Brasília, onde conseguiram empregos e moradia.
Já no início de 2021, a família buscou Ricardo por conta da situação cada vez mais grave em que viviam. Foi no dia 28 de janeiro que os pais de Loannys, Evelin Valenzuela e Jesus Ucha, decidiram que era hora de cruzar a fronteira. Com alguns poucos dólares economizados ao longo de todo um ano, saíram de Maturín, no nordeste da Venezuela, chegando próximo à fronteira com o Brasil na manhã do dia 29. Ali, tiveram de caminhar mais de quatro horas sob o sol forte, entre morros e matagais, para entrar no Brasil.
“Eu me angustiava, nem tanto por mim ou por meu esposo, mas por ela que estava grávida. Falamos com guardas, nos escondemos, chegamos a um lugar, na casa de um amigo que nos abrigou e então nos disse por onde passar. Quando subi um morro, minhas pernas fraquejaram, pensei que não conseguiríamos, mas deu tudo certo”, relata Evelin.
Já em Boa Vista, começou um novo drama, com a necessidade de se buscar atendimento hospitalar em um país diferente, com outra língua, e sem qualquer tipo de documentação oficial. “Minha filha caminhou vários dias para tentar conseguir o cartão de saúde, e já desesperada, meu filho me disse para buscar no posto de interiorização e triagem da Operação Acolhida”, relembra a mãe de Evelin.
A após a indicação do irmão, Loannys encontrou os profissionais do UNFPA, que criaram seu número SUS com apoio da OIM (Organização Internacional para as Migrações), abriram a carteira de pré-natal, fizeram orientações sobre o funcionamento do serviço de saúde no Brasil, a importância do referenciamento dos postos de saúde, da UBS e da maternidade.
Evelin lembra que “toda a equipe foi muito amável, nos atendeu, mediu, conversou. Fez todos exames, porque na Venezuela não haviam feito nada”.
Após o primeiro atendimento, a equipe do UNFPA apoiou Loannys para realizar exames na maternidade de Boa Vista, deixando uma segunda visita agendada. Antes que tivesse a oportunidade de retornar, apenas quatro dias após ter entrado no país, ela sentiu que iria dar à luz.
Em plena madrugada, seu pai conseguiu um transporte com um amigo e seguiram novamente à maternidade, onde, após os atendimentos iniciais, sabia que teria um parto seguro. Depois que nasceu Evelianny, Loannys ainda precisou permanecer alguns dias acompanhando a filha, que precisou ficar internada por conta de uma questão médica. Dias depois, todas estavam em casa, celebrando a nova integrante da família. “Agora quero ir aonde está meu irmão. Aqui está bem, mas queremos estar em família, já são dois anos e meio, lá existe maior possibilidade de trabalhar. Nos movemos em busca de trabalho, queremos ir todos para lá”, completa a nova mãe.