Você está aqui

Após um ano de existência, a Sala de Situação, Ação e Articulação sobre Direitos das Mulheres — criada por ONU Mulheres, Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS) e Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) — como resposta à crise sanitária do vírus zika, consolidou-se como um canal aberto para as organizações feministas, de mulheres, de mulheres negras e de jovens feministas para a análise de pesquisas e informações sobre saúde e para ações de parceria entre a sociedade civil e as Nações Unidas.

Sala de Situação, Ação e Articulação sobre Direitos das Mulheres foi estabelecida em março de 2016, em resposta da ONU e da sociedade civil à crise sanitária. Foto: Isabel Clavelin/ONU Mulheres

Em março de 2016, a sala de situação iniciou a articulação com 25 entidades, e atualmente são 40 instituições participantes. Nas Américas e no Caribe, o Brasil foi o país com maior incidência do vírus zika e de outras arboviroses. 

A contribuição das Nações Unidas para a resposta nacional à epidemia teve na Sala de Situação uma de suas principais estratégias, na avaliação de Jaime Nadal, representante do UNFPA. "A Sala foi fundamental para o engajamento da sociedade civil e para a construção de posicionamentos conjuntos com a ONU, e serviu para articular as políticas públicas relacionadas ao zika às questões de gênero e saúde reprodutiva, colocando-as como elementos centrais para a consolidação dos avanços sociais do país”.

Para Nadine Gasman, representante da ONU Mulheres no Brasil, a sala de situação tem sido uma instância “de articulação para colocar as mulheres no centro das políticas”. O grupo de instituições avançou na definição de propostas concretas ao poder público como, por exemplo, preparar os serviços que compõem a rede Sistema Único de Saúde (SUS) e Sistema Único de Assistência Social (SUAS) para acolher e assistir as mulheres, assim como reforçar e garantir seus direitos; disponibilizar o teste sorológico lgM para detecção do vírus zika; incluir o combate ao racismo em todas as estratégias e ações de promoção de direitos das mulheres no contexto do vírus. 

Direitos reprodutivos

A sala de situação também tem sido o ambiente para a defesa de melhorias no saneamento básico brasileiro junto aos poderes locais e como espaço de diálogo sobre a garantia dos direitos sexuais e reprodutivos, incluindo o aprimoramento dos serviços de saúde reprodutiva e o maior acesso à informações e contraceptivos para que mulheres e casais possam fazer seu planejamento reprodutivo e se proteger do risco de transmissão sexual do vírus zika. 

As entidades participantes da sala de situação também foram envolvidas em diversas pesquisas qualitativas e quantitativas, de diferentes instituições como a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Instituto Patrícia Galvão, a Fundação Ford e a ONU Mulheres.

De acordo com os resultados, enquanto as ações do setor público focavam principalmente em campanhas para o combate à proliferação do mosquito Aedes aegypti, as mulheres grávidas revelaram insatisfação com a falta de acesso a exames e informação sobre as formas de contágio e prevenção ao zika e seus efeitos sobre o desenvolvimento dos bebês. 

Vulnerabilidade das mulheres negras e jovens

Na quinta reunião da sala de situação, ocorrida em março deste ano, foram apresentadas pelo Ministério da Saúde informações sobre o perfil das mulheres que tiveram bebês com microcefalia e outras alterações neurológicas. Das 10.896 notificações de microcefalia ou síndrome congênita, registradas até abril de 2017, 2.385 foram confirmadas.

Deste montante, 1.524 foram encaminhadas para estimulação precoce e 1.898 para atenção especializada.

Dentre a mais de 2,2 mil solicitações de acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), 1.532 foram concedidos em 2016, sendo 72% para a região Nordeste. O BPC é um benefício da assistência social, que prevê uma renda de um salário-mínimo para idosos e pessoas com deficiência que não possam se manter e não possam ser mantidos por suas famílias.

Outras informações importantes discutidas na sala de situação ocorrida em março deste ano se referem ao perfil das mulheres cujos filhos tiveram diagnóstico de sindrome congênita associada ao zika, mais especificamente microcefalia. De acordo dados da Coordenação-Geral de Saúde das Mulheres do Ministério da Saúde consolidados até fevereiro de 2016, 71,3% eram mulheres entre 15 a 29 anos, sendo que 4,2% tinham menos de 15 anos e 22,6% tinham entre 15 e 19 anos; 50,6% eram casadas ou viviam em união estável e 48%, mães solteiras; 84,4% do grupo era composto por mulheres negras, 15% de mulheres brancas e 0,4% de mulheres indígenas.

O sexto encontro da sala de situação está programado para agosto deste ano, em Salvador (BA), onde acontecerá uma das seis Feiras de Solução para a Saúde, organizada pela Fiocruz. Agosto também será o mês de realização da 2ª Conferência Nacional de Saúde das Mulheres, em Brasília, momento de expectativa sobre encaminhamentos políticos de apoio às mulheres infectadas pela tríplice epidemia de dengue, zika e chikungunya.

Comunicação e mobilização social

Entre as respostas da ONU Mulheres Brasil, do UNFPA, da OPAS/OMS e da Secretaria de Políticas para as Mulheres do governo brasileiro, foi a produção de conteúdos sobre a situação das mulheres na epidemia de zika para as redes sociais. Em parceria com a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), foram produzidos documentário, reportagens para telejornal e 10 programas de rádio “Viva Maria com Saúde”. Nas entrevistas, as mulheres deram a tônica dos desafios para a resposta às especificidades de gênero, raça e etnia à tríplice epidemia.

Em novembro de 2016, foi lançada a campanha de comunicação: #EuQuero Mais Direitos, Menos Zika, resultado da iniciativa “Mais Direitos, Menos Zika”. O principal objetivo da iniciativa, coordenada pelo UNFPA e realizada ao longo de 2016 em parceria com entidades da sala de situação, foi engajar jovens, adolescentes e mulheres para a realização de ações de mobilização comunitária e vigilância em saúde em diferentes territórios nos estados de Pernambuco (PE) e Bahia (BA), com vistas a mitigar os impactos da epidemia no exercício dos direitos reprodutivos, sem desconsiderar os direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais.

Além das ações de comunicação/informação e mobilização comunitária, incluindo marketing social para promoção do uso dos preservativos masculino e feminino como forma de prevenir a transmissão sexual do vírus zika, investiu-se na produção e gestão do conhecimento, em advocacia e diálogo político, no fortalecimento das capacidades institucionais para a melhoria da qualidade das ações de promoção e atenção à saúde sexual e reprodutiva, na ampliação do acesso aos insumos contraceptivos, com destaque para os métodos de longa duração, e, finalmente, na atenção integral às mulheres e famílias afetadas pela síndrome congênita de zika.

Os efeitos das articulações da sala de situação perduraram e continuam a gerar ações no âmbito do Ministério Público Federal (MPF). Há cerca de um ano, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) tem debatido com as organizações formas de colaborar para garantir os direitos das mulheres afetadas pela tríplice epidemia. Além do encontro interinstitucional nacional, ocorrido em dezembro de 2016, houve uma audiência pública no estado de Pernambuco em fevereiro de 2017, e uma mesa redonda no Rio de Janeiro, em março deste ano.

Novos desafios

Em maio, o Ministério da Saúde declarou o fim do status de emergência nacional para síndrome congênita da zika após 18 meses do aparecimento da epidemia. De acordo com o Ministério da Saúde, até 15 de abril deste ano, foram registrados 7.911 casos de zika em todo o país, uma redução de 95,3% em relação a 2016, quando ocorreram 170.535 notificações.

Os casos novos mensais têm se mantido em 2% desde janeiro deste ano. No pico dos casos de microcefalia, em dezembro de 2015, foi registrado incremento de 135% nas notificações. Em fevereiro de 2016, a OMS havia anunciado emergência pública internacional para o zika e a síndrome congênita associada.

Com o fim da emergência no Brasil, surgem novos desafios. “É importante manter esforços políticos para apoiar as mulheres, as famílias e as crianças acometidas pela tríplice epidemia. Neste sentido, a articulação da sala de situação continua a ter um papel decisivo”, disse Nadine Gasman, representante da ONU Mulheres Brasil. “O zika veio para ficar, temos que enfrentá-lo atacando as desigualdade sociais, geográficas e raciais que levaram à epidemia e enfrentar a agenda ainda pendente em saúde sexual e reprodutiva, afirmou Jaime Nadal, representante do UNFPA. “Precisamos produzir evidências e conhecer melhor a demanda não satisfeita por planejamento reprodutivo, aumentar o acesso à informações e contraceptivos e reduzir o alto número de gravidezes não planejadas”.

 

Com informações da UNIC/ONU Brasil