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“Os filhos e filhas de nossos irmãos vão falar e contar sua própria história”

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“Os filhos e filhas de nossos irmãos vão falar e contar sua própria história”

calendar_today 26 April 2023

Maria Fabiola, liderança da etnia Warao, sorri
Há seis anos no Brasil, Maria Fabíola é voz atuante na defesa das mulheres indígenas (Foto: ONU Mulheres Brasil/Paola Bello)

Em Boa Vista (RR), Maria Fabíola encontrou refúgio, incentivo para atuar como liderança comunitária e informação para defender os diretos das mulheres indígenas refugiadas e migrantes vindas da Venezuela 

“Ao morrer meu esposo foi que pisei nessa terra”, conta Maria Fabíola, 47 anos, ao lembrar dos motivos que a trouxeram para o Brasil, em 2017. Venezuelana da etnia Warao, ela é uma das cinco mulheres ocupando a posição de aidamo no abrigo onde vive, em Boa Vista (RR). Aidamo, na língua Warao, significa uma liderança social e política na comunidade. Para Maria Fabíola, isso significa ser um espelho que inspira as gerações futuras a não esquecerem de suas raízes. 

De acordo com último Censo realizado na Venezuela, em 2011, os Warao são a segunda etnia mais populosa do país, representando cerca de 7% dos povos indígenas venezuelanos (atrás da etnia Wayuu, que representa 57% da população indígena nacional). Desde que o fluxo de pessoas vindas da Venezuela se intensificou na região Norte do Brasil, os Warao são o povo indígena predominante a entrar no país. Segundo estudo divulgado pelo ACNUR, em 2020, das mais de 264 mil pessoas venezuelanas refugiadas e migrantes vivendo no Brasil, cerca de 5 mil eram indígenas – destas, 65% eram da etnia Warao. 

Embora as últimas décadas tenham levado o povo Warao a buscar empregos formais em centros urbanos e a adotar novos hábitos, é nas tradições culturais que muitos encontram uma forma de subsistência no Brasil, com destaque para a produção de artesanato com a fibra do buriti. “Como indígena, sempre tenho tratado de falar Warao. Gosto de dançar, gosto de cantar, de fazer teatro sobre a nossa cultura. Também fazemos artesanato Warao, e é esse artesanato que ensinamos às mulheres que ainda não sabem manejar a fibra de buriti”, conta Maria Fabíola. “Nosso conhecimento nos eleva mais além, e ensinar é muito bom.” 

Conhecer os direitos em defesa das mulheres

É no conhecimento que Maria Fabíola embasa suas ações como aidamo. Ela conta que, ao longo dos seis anos em que está no Brasil, tem feito cursos para conhecer as leis brasileiras, os direitos das pessoas refugiadas e migrantes aqui e, principalmente, as formas de defender e apoiar mulheres indígenas contra a violência.  

“Logo que cheguei, busquei informações sobre os direitos das mulheres no Brasil. Além dos direitos que conheci, estudei sobre os direitos da mulher e a Lei Maria da Penha. Agora conheço muito bem as leis”, ressalta. Ela também fez cursos oferecidos pelo programa Moverse, realizado conjuntamente por ONU Mulheres, ACNUR e UNFPA, e foi uma das vozes ativas durante o II Encontro de Mulheres Refugiadas e Migrantes do Norte, realizado em março, em Boa Vista (RR). 

Como “amiga secreta”, ela também atua no abrigo como uma liderança que auxilia mulheres a buscarem ajuda diante de situações como discriminação e violência. “Fiz nove cursos já – sobre Lei Maria da Penha, sobre Direito dos Povos Indígenas, sobre a Constituição Brasileira. Estudei porque o que tenho que entender é que há pessoas que não falam, e eu sou a que fala e as defende, e assim tenho defendido muitas famílias. Como amiga secreta, conheço os números que tenho que ligar quando alguma mulher é maltratada ou discriminada, para denunciar maltrato, violações, discriminação verbal e psicológica, tudo. E muitas vezes liguei”, afirma. 

União e perseverança

Outra característica do povo Warao que Maria Fabíola reforça é o papel de protagonismo das mulheres. Desde a organização da comunidade, o compartilhamento de informações  e o ensino de tradições até o papel de liderança política, como aidamo. “Dentro de meu coração existe uma certeza de que alguém me acompanha. E com essa força que tenho dentro do meu coração, eu construo meu trabalho perante os demais. Luto por minhas amigas, por meus irmãos Warao, indígenas”, destaca. 

“Nós, indígenas, somos muito guerreiras, lutadoras, valentes em tudo – no trabalho, no artesanato, na construção massiva dos afazeres do lar. São todos trabalhos que fazemos em união”, completa Maria Fabíola. Ela explica que, como liderança, recai sobre ela a responsabilidade de reunir as famílias e distribuir as tarefas semanais para que o abrigo se mantenha limpo e em ordem. E, ao lado de outras quatro aidamos, elas têm garantido que a voz das mulheres indígenas seja ouvida na comunidade. 

“No abrigo, somos sete aidamos - cinco mulheres e dois homens. Temos voz e voto quando há uma reunião geral com toda a comunidade”, comemora. 

Ao mesmo tempo em que zela por sua cultura, Maria Fabíola reconhece a importância de sua influência para que as próximas gerações vivam com mais oportunidades. Ela reforça que é no conhecimento que a luta que tem hoje irá refletir em respeito em um futuro próximo. “Em Pacaraima, tenho quatro netos que já estão entrando na universidade para começar uma carreira. Em nossa vida Warao, sempre temos permanecido na luta e na defesa de nossa cultura. Mais tarde, se Deus quiser, a vida segue, nossos netos seguem estudando, e vai haver uma matéria Warao [nas escolas]. Os filhos e filhas de nossos irmãos aqui vão falar Warao. Vão falar e vão contar sua própria história.” 

Assista ao vídeo a seguir e conheça a história de Maria Fabíola: 

Remote video URL

Sobre o Moverse – No Brasil, o Fundo de População da ONU (UNFPA), ONU Mulheres e ACNUR, com o financiamento do Governo de Luxemburgo, desenvolvem conjuntamente o programa Moverse – Empoderamento Econômico de Mulheres Refugiadas e Migrantes. O objetivo é o fortalecimento dos direitos econômicos e das oportunidades de desenvolvimento entre venezuelanas refugiadas e migrantes. O programa é realizado desde setembro de 2021 e envolve empresas, instituições e governos nos temas e ações ligadas a trabalho decente, proteção social e empreendedorismo. O Moverse também atua diretamente com mulheres refugiadas e migrantes, para que elas tenham acesso a capacitações e a oportunidades no mercado de trabalho e no empreendedorismo. Outra frente de trabalho do programa é ligada à violência baseada em gênero. Para receber informações sobre o Moverse, inscreva-se na newsletter.