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"Criamos um espaço seguro, de confiança, em que falamos de marajoara para marajoara. Para nós isso é muito valioso", diz integrante de observatório apoiado pelo UNFPA

O que há por trás de uma comunicação efetiva? Para as integrantes do Observatório do Marajó, as próprias vivências, linguagem e cenários do local onde vivem, o Arquipélago do Marajó, no Pará.  Foi assim que elas desenvolveram, através do edital do Fundo de Populações das Nações Unidas (UNFPA), um ciclo formativo e uma campanha de comunicação sobre Direitos Sexuais e Reprodutivos. A organização é uma das 13 contempladas pela segunda edição do edital Nas Trilhas de Cairo.

O Observatório do Marajó é um observatório cidadão de políticas públicas que visa fortalecer a participação dos povos tradicionais da região do Marajó, na agenda pública e processos políticos locais. A iniciativa surgiu em 2020, através da organização Lute Sem Fronteiras. O observatório atua reunindo dados e informações, e construindo conhecimento e articulações a partir das narrativas, vivências e realidades dos povos marajoaras. 

A iniciativa foi desenvolvida com 20 jovens ativistas de comunidades tradicionais de diferentes municípios, integrantes da equipe do Observatório e de outras organizações. A intenção era fornecer informações e ferramentas para o fortalecimento das capacidades técnicas e estratégicas dessas líderes locais. As três primeiras oficinas aconteceram na Vila do Pesqueiro no município de Soure, localizado na porção nordeste da ilha. 

O projeto teve início com a realização de cinco oficinas, o "Ciclo Formativo Mulheres Marajoaras em Movimento", que abordou temas como o Histórico dos Movimentos Sociais no Marajó, o relatório da Conferência Internacional Sobre População e Desenvolvimento (Cairo, 1994), como construir uma rede, narrativas para dialogar com comunidades de fé e outras temáticas. Todos os assuntos tinham como ponto central a perspectiva de gênero e direitos das mulheres, e foram abordados sob uma perspectiva local. 

Para isso, as palestras foram conduzidas por mulheres integrantes de movimentos sociais da Ilha de Marajó e outros locais do Pará. Para a Gestora de Projetos, Ediane Lima, esses encontros propiciaram além da ampliação de conhecimento, uma intensa partilha de experiências e incentivos mútuos. "A gente aprendeu muito com essas mulheres, foi um projeto de fortalecimento conjunto. A gente observou que essas mulheres se sentiram num espaço seguro, que elas puderam se expressar. Foi um momento muito incrível da gente compartilhar os problemas que a gente já passou, mas também reconhecer os nossos direitos.", conta. 

Ciclo Formativo Mulheres Marajoaras em Movimento
Ciclo Formativo Mulheres Marajoaras em Movimento. Foto: ©Observatório Marajó

Nas Trilhas do Marajó

Ainda durante as formações, e utilizando como referência materiais disponibilizados pelo UNFPA, as participantes começaram a construir materiais educativos em diferentes formatos: cartilha, áudios para serem compartilhados em aplicativos de mensagens instantâneas e até um formulário interativo. O objetivo era transmitir as informações que estavam recebendo sobre os direitos das mulheres, em uma linguagem que tivesse a cara das marajoaras. Mariane Castro, Gestora de Comunicação do Observatório, explica a ideia por trás de um dos materiais, uma cartilha ilustrada:

"Estamos construindo o que a gente chamou de 'Mini diálogo das Manas sobre direitos reprodutivos' que é um diálogo onde duas mulheres do Marajó, dentro de um contexto que é íntimo delas, uma conversa em um banho de rio, estão falando sobre direitos reprodutivos. Esse é um material informativo ilustrado, onde pensamos também sobre essas mulheres se reconhecerem na ilustração, trazendo o ambiente de rio, e o próprio físico de mulheres do Marajó para deixar mais de acordo com a realidade delas. O material vai aprofundando o tema, mas sempre trazendo pro contexto do Marajó."

Mariane conta que essas produções são reflexo das informações que acessaram através do edital, e dos diálogos travados nas formações sobre a Agenda de Cairo e em como elas acreditam que os resultados da conferência se refletem nas mulheres marajoaras. "A gente aprendeu muita coisa, e acho que principalmente a importância de falar sobre esses temas, e de onde falar, que é a partir da gente. A partir da forma que a gente pensa e da forma que a gente fala", afirma a jovem de 28 anos que também observa: "Eu estava nascendo quando estavam se reunindo na Conferência, e eu só sei que ela ocorreu por causa do edital", destaca. 

A Gestora de Projetos do Observatório do Marajó, Bianca Barbosa, também ressalta a importância da condução de um projeto desenvolvido levando em conta o olhar local. "Criamos um espaço seguro, de confiança, em que falamos de marajoara para marajoara. Para nós isso é muito valioso e sentimos que podemos fazer, que temos capacidade e inteligência suficiente para dizer o que queremos. Em contexto de Amazônia quando vem aquele discurso muito de fora, às vezes parece que a gente está aqui e não está fazendo nada, mas somos nós que estamos fazendo.", defende Bianca.