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Debater a abordagem intersetorial das migrações no mundo, conhecer os perfis sociodemográficos e os desafios e oportunidades da expansão dos fluxos migratórios no Brasil e no mundo. Esse foi o foco do Seminário “Migração e seus impactos na Sociedade do Século XXI” realizado nesta segunda-feira, 24. O evento aconteceu no Auditório do Anexo I do Palácio do Planalto, em Brasília.

O Seminário é resultado da parceria entre a Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE/PR) e o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), com o apoio do PRODOC da Comissão Nacional de População e Desenvolvimento (CNPD).  

O Secretário Especial Adjunto de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Marcelo Baumbach, e o Secretário de Assuntos Estratégicos, Marden Melo, fizeram a abertura do evento. Ambos comentaram sobre a importância histórica da migração no Brasil e as janelas de oportunidades que este fluxo migratório podem abrir para o país. Na oportunidade, foi reforçada ainda a importância das políticas públicas para potencializar os ganhos econômicos para o país oriundos dos fluxos migratórios.

“A sociedade brasileira é uma sociedade construída a partir dos migrantes, pelas diferentes ondas migratórias ao longo do tempo. Essa população contribuiu com capacidades, conhecimento e habilidades que não estavam presentes no Brasil, as vezes no comércio, na indústria e na cultura”, disse Marden em entrevista. Baumbach também relatou a importância da história das migrações para o país. “As migrações fazem parte da nossa história do país e são fundamentais para a construção da população e da sociedade brasileira”.  

Entre os anos 2000 e 2015, mais de 800 mil imigrantes internacionais foram registrados no Brasil. Destes, 42,5% são originários dos países da América Latina e do Caribe;  27,4% são europeus e 16,7% são de origem asiática. Os dados são do Atlas Temático Observatório das Migrações - Migrações Internacionais, elaborado pelo Observatório das Migrações em São Paulo, em parceria com o UNFPA, a FAPESP e o CNPq.

Migrações e desenvolvimento econômico


Seminário reuniu governo, academia, sociedade civil e Nações Unidas. (Foto: UNFPA Brasil/Webert da Cruz)

No primeiro painel, “A imigração no Brasil e seus impactos econômicos”, participaram o presidente do Conselho Nacional de Imigração e Coordenador-geral de Imigração do Ministério do Trabalho e Emprego, Hugo Medeiros Gallo da Silva, a professora da Unicamp Rosana Baeninger, que foi coordenadora do Atlas, e o Padre Paolo Parise, diretor da ONG Missão Paz. Foi destacada a relevância de se delinear um perfil migratório e da inserção da pessoa em deslocamento no mercado de trabalho como estratégia para superar o fim do bônus demográfico e as consequências do envelhecimento populacional. Leonardo Cavalcanti, coordenador científico do Observatório das Migrações internacionais (OBMigra), foi o moderador da mesa.

Hugo Medeiros fez referência à importância de dados qualificados e desagregados para compreender os fluxos migratórios transnacionais no país. A qualidade dos dados administrativos e oficiais ajuda a delinear políticas públicas que dê acessibilidade e supra os interesses e necessidades básicas do contingente de pessoas deslocadas vivendo em território nacional. Por isso, diversas plataformas e estratégias, desde grupos de trabalho a sistemas digitais de informação, criadas pelo Conselho Nacional de Imigração e Ministério do Trabalho, podem auxiliar na mensuração do impacto das pessoas migrantes na economia brasileira.

“Todo esse esforço que está sendo feito traz bons resultados e sucesso para essa política de migração já adotada por países desenvolvidos que têm uma política de migração bastante consolidada. A migração traz efeitos positivos que merecem destaque e investimento, como o que tem sido feito pelo mercado futebolístico e do esporte em geral, como podemos ver nos resultados da seleção francesa, composta basicamente de migrantes”, observou Medeiros.  


Rosana Baeninger, professora da Unicamp e coordenadora do Atlas.
(Foto: UNFPA Brasil/Webert da Cruz)

Rosana Baeninger destacou o caráter do Brasil em ser um país de trânsito migratório, ou seja, as pessoas migrantes passam pelo país, mas não se fixam definitivamente. Por isso, as políticas públicas para essa população, segundo a especialista, precisam contemplar a mobilidade interna. Outra característica apresentada foi a mudança no perfil dos e das migrantes, que passou de europeus brancos para um contingente não-branco bastante heterogêneo, instalado nos municípios e não mais nas capitais brasileiras. Essa soma de mudanças pode potencializar preconceitos étnicos e raciais.

Em um contexto econômico, essas pessoas se inserem no mercado por meio dos chamados nichos-étnicos, ou seja, os co-nacionais, em geral na mesma ocupação. “Existe a possibilidade de serem absorvidos pela estrutura natural do mercado, pela construção civil e trabalho doméstico, e outras ocupações de nichos étnicos, como na costura, nos restaurantes e como vendedores ambulantes. Os senegaleses têm uma cultura natural e mundial de vendas de eletrônicos, enquanto as filipinas são treinadas, no próprio país de origem, para a economia do cuidado, exercendo a função de babás, por exemplo”, relata Baeninger.

Com mais de 3 mil pessoas deslocadas de 60 nacionalidades diferentes atendidos em 2018, a Missão Paz, liderada pelo Padre Paolo Parise, apoia a inserção de migrantes para o mercado formal de trabalho. Haitianos e venezuelanos são as nacionalidades mais presentes. Segundo Padre Paolo, de 2012 até hoje, foram mais de 7 mil pessoas acolhidas pelas ações da Missão Paz, inseridas formalmente em mais de 2 mil empresas e organizações. Mas ele também aponta que outras 2 mil empresas não quiseram contratar os trabalhadores formalmente, o que caracteriza uma real tendência à exploração.

“O perfil desses migrantes são diversos: existem pessoas com alto grau de formação e outras com formação média. No geral, quando se começa a vida em outro país, o trabalho realizado não condiz com a formação, mas com o passar do tempo a pessoa consegue se restabelecer em sua profissão”, diz. Em geral, segundo Parise, os empregadores ficam muito satisfeitos com a qualidade do trabalho desenvolvido por pessoas migrantes, além de ser um celeiro de inovação. “Eles atraem novas rotas de comércio com os países de origem; criam novos empreendimentos, como restaurantes, cursos de idiomas e costura; e, a longo prazo, chegam a empregar brasileiros e outros migrantes”, completou.

Migrações e políticas públicas

Durante o segundo painel, que teve como mediador o oficial regional para o Desenvolvimento de Projetos da OIM, Matteo Mandrile, foi discutido o papel das políticas migratórias internacionais como base para a construção de políticas públicas no Brasil. O painel ainda teve participação de James McNamee, Cônsul do Canadá e Gerente do “Programa de Migração do Governo do Canadá no Brasil”, e do colombiano William Mejia, consultor internacional sobre migrações. Ambos falaram sobre as realidades dos seus países no contexto migratório, fazendo um paralelo com a realidade brasileira e colaborando para a reflexão da melhoria na inserção dos migrantes na sociedade.

“No Canadá, são os mesmos problemas que vemos em todos os lugares, mas a diferença é que desde a nossa origem como país, nós temos planos de migrações, com metas e projetos com objetivos específicos. Hoje em dia, no Canadá, a gente tenta aumentar o número de migrantes no país”, disse o cônsul McNamee.

Mejia mostrou aos presentes o contexto atual Colombiano, diferente do que se tinha há poucos anos. “Em geral, não chegam os imigrantes que o Estado busca, chegam os imigrantes que chegam e podem chegar. Tomo como referência dados do nosso país de 2005, 3 milhões de Colombianos moravam fora do país. Mas, nessa época, diferentemente de agora, a migração não era um objeto de interesse na Colômbia”, destaca.

Jorge Martinez Pizarro, mestre em população e desenvolvimento pelo Centro Latino-Americano de Demografia (CELADE) da CEPAL, destacou também a diferença de gêneros nas migrações, pois antigamente era mais comum que as mulheres migrassem acompanhando maridos e família. Agora, as mulheres são empresárias, trabalhadoras, estudantes e executivas, e chegam também sozinhas - inclusive adolescentes. “É um padrão comum o deslocamento de adolescentes, em especial meninas desacompanhadas. Os e as jovens ficam em uma total vulnerabilidade e estão sujeitos à violência, ao trabalho forçado, ao tráfico de pessoas e sexual”, avaliou Pizarro.

Acordos internacionais

O evento encerrou com as falas do representante do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) no Brasil, Jaime Nadal, e da conselheira do Ministério das Relações Exteriores, Marise Nogueira.

Nogueira relembrou e reafirmou a importância do “Pacto Global para Migração Segura, Ordenada e Regular”, proposto pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 2016, e assinado pelos países-membros em 2018. “Existe uma convergência entre a nossa política de migração brasileira e o Pacto Global, pois preza por chegar a um entendimento comum, ter responsabilidades compartilhadas entre os países de origem e de destino. Construímos um documento que privilegia a atenção às pessoas, ao desenvolvimento sustentável e as bases legais”, avaliou a conselheira.

Nadal fez as considerações finais e relembrou que a história da humanidade não poderia ser escrita sem levar em consideração as migrações. “A migração faz parte da história. Considerar o contexto atual como uma crise migratória é um grande erro. Há menos de 100 anos, mais de 25% da população européia saiu da Europa para outros países. Então a migração equilibra a oferta da população economicamente ativa em escala global. Tem tido um papel fundamental em termos do crescimento da produtividade, tanto nas sociedades de origem tanto nas que tem recebido essa população”, destacou.

 

Seminário “Migração e seus impactos na Sociedade do Século XXI”