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No dia 16 de novembro de 2001, Alyne da Silva Teixeira Pimentel, grávida de seis meses, foi vítima fatal do mau atendimento nos serviços de saúde e entrou para a história do Brasil como símbolo da luta contra a mortalidade materna. Ao ir a óbito, a jovem negra de 28 anos de Belford Roxo, na Baixada Fluminense (RJ), deixou órfã uma filha de cinco anos na época. Mais de uma década se passou. Em 2011, o país foi condenado pelo Comitê para Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Cedaw) das Nações Unidas a cumprir uma série de recomendações em relação ao caso, como indenizar a família da paciente e garantir o direito das mulheres à maternidade segura e ao acesso adequado à procedimentos obstétricos, porém esses encaminhamentos ainda não foram assegurados.

A falta do cumprimento das recomendações no “Caso Alyne” motivou a realização de Audiência Pública no último dia 14 na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado Federal. Na ocasião, que contou com a participação de políticos, especialistas em saúde e membros da sociedade civil, foram propostos três encaminhamentos para o acompanhamento da situação e a cobrança do Estado no cumprimento das recomendações da Cedaw. O primeiro foi a elaboração de requerimento – proposto pelo Senador Eduardo Suplicy (PT/SP) - com um relato sobre a morte de Alyne e um diagnóstico sobre as condições de atendimento à saúde das gestantes nas redes de saúde nas cidades de Belford Roxo e Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, para envio aos/as Ministros/as da Justiça, Saúde, Direitos Humanos, Políticas para as Mulheres e Políticas de Promoção da Igualdade Racial, bem como ao governador do Rio de Janeiro, ao secretário de Saúde do Estado do Rio e aos prefeitos e secretários de saúde dos municípios citados.

“Que sejam tomadas as providências para que seja efetivada a indenização da família de Alyne e que a rede hospitalar da Baixada Fluminense seja objeto de transformações que garantam atendimento adequado e respeitoso às gestantes”, destacou Suplicy. O requerimento também foi assinado e aprovado pelo/as senador/as Paulo Paim, Ana Rita Esgário, Vanessa Graziottin e Lídice da Mata.

Os outros dois encaminhamentos propostos foram o envio de requerimento para que o Ministério da Saúde apresente, na próxima audiência, relatórios sobre a efetiva implementação do parto humanizado nos estados e municípios brasileiros e a solicitação de preferência no julgamento, endereçada ao juiz competente do caso.
Estiveram presentes na mesa da audiência Rodrigo da Costa Lines, Procurador da República do Município de São João do Meriti (RJ); Flávia Piovesan, Procuradora do Estado de São Paulo; Beatriz Galli, Relatora do Direito Humano à Saúde Sexual e Reprodutiva da Plataforma Dhesca; e Sonia Maria Lievori do Rego Pereira, Assessora da Coordenação Geral de Saúde das Mulheres da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde.
A senadora Ana Rita enfatizou que o caso é emblemático por ser a primeira condenação internacional referente à morte materna e relembrou que, apesar da redução dos índices nas últimas décadas, o Brasil não alcançará o Objetivo de Desenvolvimento do Milênio 5, que estabelece como meta uma redução de 75% nas mortes maternas, sendo portanto necessário aprofundar ainda mais a discussão. Já para o procurador Rodrigo da Costa, além da reparação simbólica e financeira à família da jovem, também é preciso “fazer com que a morte dela não tenha sido em vão e que essa tristeza e dano ocasionados sirvam também de razão para que isso não volte a acontecer com nenhuma brasileira”. 

Jurema Werneck destaca racismo como fator para mau atendimento Foto: Vinicius Ehlers/Acervo CDH Senado

 

A médica e coordenadora da ONG Criola do Rio de Janeiro, Jurema Werneck, também esteve presente na audiência e enfatizou que é “fundamental não deixarmos desaparecer essa pauta no Brasil”, ressaltando o racismo como determinante social de saúde no país e um dos fatores que causam o óbito de muitas gestantes. “Alyne era uma jovem negra. Sabemos que as regiões em que a população negra vive são aquelas onde se produzem mais negligências, onde o serviço público tem menos qualidade e ocorrem mais mortes. Outro aspecto que explicita o racismo é a demora, a incapacidade do Estado Brasileiro em responder, à tempo, aquilo que é necessário”. E completou: “O Ministério da Saúde ainda não deu uma resposta adequada para o caso Alyne”.

Beatriz Galli apresentou evidências de que, no Rio de Janeiro, as mulheres negras têm cinco  vezes mais chances de morrer por causas relacionadas à gravidez, ao parto e ao pós parto  quando comparadas às mulheres brancas. “Esses dados comprovam o racismo institucional e uma tolerância em relação a esse tipo de discriminação na assistência obstétrica no Estado do Rio de Janeiro”. Já o senador Paulo Paim destacou a necessidade de uma mobilização nacional para o enfrentamento do preconceito e todas as formas de discriminação. “Quando acompanhamos o caso Alyne, a gente se lembra de quantas Marias, quantas Joanas, quantas Robertas passaram por situação semelhante e ainda poderão passar, se nada for feito”.
Entenda o “Caso Alyne”
Alyne Pimentel sofreu por vários dias sem atendimento adequado, mesmo em situação de risco com a gravidez avançada. Ela foi atendida em 11 de novembro de 2001 na Casa de Saúde Nossa Senhora da Glória de Belford Roxo (RJ), grávida de seis meses com fortes dores abdominais, náusea e vômito. Mesmo assim, foi apenas medicada e encaminhada para casa. Dois dias depois, em 13 de novembro, retornou ao hospital onde um médico a examina e decide interná-la. Após seis horas o parto foi induzido e Alyne dá a luz a um bebê que nasce morto. Mesmo necessitando ser operada imediatamente para remover a placenta e prevenir hemorragia e infecção pós-parto, ela só foi operada na manhã seguinte – quase 14 horas depois do parto.
Ainda no dia 14, após a cirurgia, a jovem começou a apresentar hemorragia e a vomitar sangue. Quando a mãe da vítima ligava para saber o estado de saúde de sua filha, a equipe médica assegurava que ela estava bem, apesar dos registros médicos indicarem o contrário. No dia seguinte,  os médicos informaram que a paciente apresentava hemorragia digestiva e necessitava de uma transfusão de sangue imediata, indicando para isso sua transferência para o Hospital Geral de Nova Iguaçu. No entanto, Alyne teve que esperar oito horas pela ambulância e chegou ao hospital já apresentando sinais de coma. No dia 16 de novembro, às 19 horas, Alyne morreu de hemorragia interna.
Recomendações da Cedaw para o “Caso Alyne” e a saúde materna no Brasil: 
•    Indenizar a família de Alyne; 
•    Garantir o direito das mulheres a uma maternidade segura e ao acesso adequado à procedimentos obstétricos; 
•    Proporcionar a formação profissional adequada aos trabalhadores de saúde; 
•    Assegurar a observância de parâmetros nacionais e internacionais de saúde reprodutiva nos serviços públicos de saúde; 
•    Punir os profissionais de saúde que violem os direitos reprodutivos das mulheres e seu direito de acesso à saúde.
•    Decisão do Comitê CEDAW: Caso Alyne

Veja também:
•    Cartilha da campanha pela redução da mortalidade materna 
•    Página da Mobilização pela Promoção dos Direitos das Mulheres e Redução da Mortalidade Materna

UNFPA Brasil

Com informações da Assessoria de Comunicação da CDH/Senado Federal