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No Brasil, estima-se que a demanda não-atendida por contraceptivos se encontre entre os 6% e 7,7%, afetando aproximadamente de 3,5 a 4,2 milhões de mulheres em idade reprodutiva. Do total de nascimentos ocorridos nos últimos cinco anos, apenas 54% foram planejados para aquele momento. Entre os 46% restantes, 28% eram desejados para mais tarde e 18% não foram desejados.

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A gravidez não planejada na adolescência é uma questão de desigualdade que afeta principalmente as mulheres dos estratos sociais mais vulneráveis. Em causa, está a falta de acesso das meninas e adolescentes a bens e serviços que permitam que elas exerçam seus direitos sexuais e reprodutivos. Uma realidade que as retira precocemente da escola condicionando seu potencial e bem-estar na vida adulta. No Brasil 20% das mães têm menos de 20 anos, 40% das quais abandona a escola para abraçar a maternidade.

“Igor é tudo para mim!”, diz Joice dos Santos Silva.

Aos 17 anos Joice é mãe a tempo inteiro. Com apenas 6 meses, Igor mudou a vida dos pais e da família inteira para melhor. São uma família de amor que, afetada pela epidemia do vírus zika, luta pelo desenvolvimento saúdavel e feliz de seu caçulo.

“O Igor é um bebê com um quadro de microcefalia. A mãe relata ter tido o vírus da zika durante a gestação, ele nasceu aqui nessa maternidade. Ele tem um percentil microcefálico abaixo do esperado para a idade e tem uma alteração motora, a mãozinha dele ainda não consegue abrir, não consegue pegar os objetos com a mão. E é uma criança com um futuro aberto, bem promissor. A relação dele com o pai é excelente! É assim de olho no olho, ele está do lado dela sempre, acompanha ela. E quando a família ajuda a criança tem uma evolução importante”, relata Márcia Santana, Terapeuta Ocupacional no Instituto de Perinatologia da Bahia (Iperba) há 23 anos.

 

Segundo Joice, a relação de pai e filho começou ainda durante a gestação: “a partir dos 5 meses de gravidez o Igor começou a dar chute, eu botava a mão na barriga quando o pai chegava do trabalho e pedia ‘mexe para o papai’ e ele parecia que já sabia, começava a chutar, o rapaz ficava todo besta!”.

O Iperba realiza por mês 400 partos e detém o título de Hospital Amigo da Criança. Numa pesquisa desenvolvida recentemente, o Iperba concluiu que o grau de conhecimento das jovens adolescentes sobre métodos contraceptivos é muito baixa, das 100 adolescentes gestantes entrevistadas, 61,1% conheciam menos do que quatro métodos contraceptivos e menos de 30% conheciam os métodos contraceptivos de longa duração.

Incentivar o acompanhamento do pai nas consultas desde o pré-natal é um dos temas abordados pelas assistentes sociais que acompanham as mães desde a primeira consulta. “Eu costumo dizer para elas: na gravidez as transformações vão acontecer no seu corpo, você já se deu conta de que é mãe e seu parceiro é preciso que você bote ele para participar de todo o processo para que ele se dê conta de que ele já é pai também”, explica Orlene Jaques de Melo, Assistente Social no Iperba.

 

Foi ainda durante a gravidez que Joice soube que Igor poderia nascer com microcefalia, “o médico falou que achava que a cabeça dele estava um pouco pequena, abaixo do normal, tinha suspeita de microcefalia mas não me falou nas possibilidades, só me falou coisa ruim e me deixou assustada. Ele disse que o meu filho poderia não enxergar nem andar, que poderia nascer torto, um monte de coisa ruim. Mas o caso dele não é muito grave, levo ele para o fisioterapeuta, oftalmologista, otorrino e estimulação precoce. E repito em casa aqueles exercícios, meu marido me dá apoio em tudo, faz os exercícios de estímulo precoce comigo, sempre que pode me acompanha no médico, me dá o maior apoio com o Igor”.

No Instituto de Perinatologia da Bahia (Iperba), a missão das assistentes sociais é orientar as mães para a importância do pré-natal abordando temas relacioandos com a amamentação, planejamento familiar e, em especial no caso das mães adolescentes, prevenção de uma segunda gravidez indesejada. Informação e educação para a sexualidade, participação em atividades de grupo para mães adolescentes promovendo a troca de experiências, e disponibilização de métodos contraceptivos são as estratégias dos profissionais.

“A adolescente chega ou muito eufórica com a questão da maternidade, é uma coisa muito nova, muito mágica que o neném vai chegar, ou elas chegam um pouquinho apáticas e não querem conversar muito. E aí a gente vai trabalhando a aceitação delas”, explica Orlene.

 

Para Ana Oliveira, também Assistente Social no Iperba, a epidemia do vírus zika expôs várias fragilidades do sistema nacional de saúde no que que toca à defesa e garantia do direito à saúde sexual e reprodutiva mas também da capacidade de resposta da rede de saúde que continua fragmentada obrigando, sobretudo as mães, a deslocamentos diários e de longas distâncias, para consultar diferentes especialidades médicas.

“Essa questão da zika pegou os serviços desorganizados e os profissionais despreparados: nem todos os serviços dispôem de uma equipe completa e interdisciplinar para atender e isso depende muito da disponibilidade pessoal de ler, de estudar, de conhecer outros serviços que tenham a mesma perspectiva para se fortalecer com conhecimento”, explica Ana Oliveira. “Como tratar de algo que eu não conheço? Como acompanhar uma situação que ainda não tinha sido verificada nem do ponto de vista da gestão nem do ponto de vista assistencial?”, acrescenta.

Na Bahia foram confirmados 268 casos de microcefalia, de um total de 1,687 em todo o país. O Iperba registrou a suspeita de possíveis quadros de microcefalia por infecção congênita de zika, tendo confirmado apenas 9 até ao momento. Três são filhos de mães adolescentes.

No que respeita à prevenção da infecção por vírus zika em gestantes, Ana Oliveira está preocupada. Apesar de já ser considerada uma Doença Sexualmente Transmissível (DST), os profissionais de saúde ainda não estão a informar as mulheres do perigo de infecção do vírus zika por via sexual devido à falta de orientações do Ministério da Saúde.

“Precisamos de uma orientação, de uma nota técnica, de uma portaria, seja do que for, levando em consideração a diferença que existe entre as mulheres que são atendidas na questão de zika enquanto Doença Sexualmente Transmissível e aí vai para a questão dos direitos sexuais e reprodutivos, da proteção e da disponibilização de métodos contraceptivos. Porque em todas as campanhas é o mosquito que tem a perninha colorida, preto e branco, que tem que se matar e evitar a reprodução. Mas efeitos disso sobre as mulheres isso não está sendo abordado”, acusa a assistente social.

Ana Oliveira sonha com o dia em que os direitos sexuais e reprodutivos estarão, enfim, contemplados na agenda política. Nesse sentido, a assistente social apela aos movimentos de mulheres feministas e aos gestores da saúde para mudar uma realidade drámatica lembrando que a camisinha feminina não está disponível nos postos de serviços de saúde.

 

Dados do Ministério da Saúde revelam que em 2014 nasceram 28.244 crianças filhos de meninas entre 10 e 14 anos e 534.364 crianças filhos de mães com idades compreendidas entre 15 e 19 anos. É nos Estados do Norte do Brasil que as taxas de gravidez na adolescência são maiores. Dessas mães adolescentes, 7 de cada 10 eram pretas ou pardas, e 6 de cada 10 não estudavam nem trabalhavam, o significa que a maternidade é, provavelment, seu único projeto de vida.

Estima-se que uma em cada cinco mulheres será mãe antes de terminar a adolescência. Para oFundo de População das Nações Unidas (UNFPA), a gravidez e a maternidade na adolescência é uma questão de inequidade e desigualdade sociais que coloca as mães adolescentes, em comparação com seus pares, numa situação de vulnerabilidade.

O UNFPA tem um compromisso forte na prevenção da gravidez precoce. Na América Latina e Caribe a agência das Nações Unidas tem apoiado os governos na implementação de programas regionais que contribuíram largamente para a prevenção da gravidez não planejadas na adolescência e para a promoção do direito à saúde sexual e reprodutiva de mulheres e adolescentes.

Texto e fotos: Tatiana Almeida/ UNFPA Brasil