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Gestão pública, ONU e sociedade civil discutem violência letal contra a juventude negra

Gestão pública, ONU e sociedade civil discutem violência letal contra a juventude negra

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Gestão pública, ONU e sociedade civil discutem violência letal contra a juventude negra

calendar_today 23 November 2018

Seminário “Vidas Negras: diálogos sobre ações governamentais de enfrentamento à violência contra as juventudes” aconteceu entre os dias 21 e 22 de novembro (Foto: UNFPA Brasil/Thais Rodrigues)

Uma pessoa negra entre 15 e 19 anos tem hoje três vezes mais chance de ser assassinada do que uma pessoa branca na mesma faixa etária no país. Relatórios e pesquisas recentes têm apontado que este fenômeno também se distribui de forma extremamente desigual pelos municípios brasileiros. Em 2015, 111 municípios  - ou seja, 2% do total - responderam por metade dos homicídios do país. 

O dado do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) demonstra que o enfrentamento à violência no Brasil merece atenção de gestoras e gestores públicos para uma ação efetiva e coordenada. Pensando nisto, a ONU Brasil em parceria com a Frente Nacional de Prefeitos e com a Prefeitura de Recife, realizou, nesta quarta (21) e quinta-feira (22), o primeiro seminário “Vidas Negras: diálogos sobre ações governamentais de enfrentamento à violência contra as juventudes”. Mais de 60 pessoas, entre academia, sociedade civil, gestoras e gestores públicos estiveram presentes na Universidade Católica de Pernambuco. 

A ONU Brasil, em parceria com a Frente Nacional de Prefeitos e a Prefeitura de Recife, realizou o primeiro seminário “Vidas Negras: diálogos sobre ações governamentais de enfrentamento à violência contra as juventudes” (Foto: UNFPA Brasil/Thais Rodrigues)

O seminário discutiu os desafios e oportunidades no combate à violência letal contra a juventude negra no país, fruto da perversidade decorrente do racismo. Estiveram presentes gestores e gestoras de sete estados do país - Mato Grosso do Sul, Ceará, Pernambuco, São Paulo, Bahia, Distrito Federal e Paraíba -, inaugurando um fórum onde as variadas frentes puderam trocar informações sobre boas práticas, adaptando-as aos seus contextos locais. 

Para a Secretária do Desenvolvimento Social, Juventude, Política sobre Drogas e Direitos Humanos do Recife, Ana Rita Suassuna, a grande contribuição do seminário é fazer com que os gestores despertem para as pautas específicas da juventude negra. “A gente trabalha muitas questões de juventudes, mas a violência letal muitas vezes não entram nas nossas discussões. Então, esse seminário é fundamental para ampliar nossos horizontes”, revela a gestora.

Exposição de conceitos e dados

De cada mil adolescentes brasileiros, quatro vão ser assassinados antes de completar 19 anos. Se nada for feito, serão 43 mil brasileiros, entre os 12 e os 18 anos, mortos de 2015 a 2021, três vezes mais negros do que brancos. Segundo a representante da ONU Mulheres, Nadine Gasman, esse contexto é um mote para observar o racismo no país, principal impeditivo para que a juventude negra não atinja seu pleno potencial. 

“A pauta da violência letal contra a juventude negra deve ser trabalhada em todos os âmbitos, envolvendo as instâncias sociais para que até 2030, a gente consiga atingir os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e não deixar ninguém para trás”, disse a representante. 

O seminário discutiu os desafios e oportunidades no combate à violência letal contra a juventude negra no país (Foto: UNFPA Brasil/Thais Rodrigues)

A violência letal está intimamente ligada ao racismo e, no Brasil, este fenômeno está associado à condição de classe, gênero e geração. O doutorando da Universidade de Brasília, Felipe Freitas, afirmou que as políticas voltadas para o enfrentamento a violência letal contra jovens no Brasil tem esbarrado nos obstáculos impostos pelo racismo à garantia de direitos, emancipação e autonomia dos jovens negros. Segundo ele, o racismo produz vantagens para os brancos e desvantagens para os negros, por isso, os papéis sociais estão fortemente estabelecidos, não sendo suficiente para resolver este problema combater aspectos singulares como a pobreza. 

“As imagens que se criam no imaginário social já estão racializadas e associam atributos raciais aos criminosos mais violentos. Esse contexto perverso coloca as pessoas negras em uma situação desumanizada que gera miséria, pobreza, desigualdade para a negritude, enquanto para as pessoas brancas gera bem viver”, afirmou o especialista.  

Brasil e Colômbia

As mortes por causas externas tem se interiorizado no Brasil com forte expansão no Nordeste e grande penetração nas periferias das cidades. Entre os 20 municípios com mais de 100 mil habitantes mais violentos do Brasil, 10 estão no Nordeste. 

No sentido de colaborar para o intercâmbio de boas práticas e de superação da violência, a arquiteta e urbanista Isabel Basombrío compartilhou a experiência bem sucedida da redução da letalidade em Medellin. Conhecida popularmente como “o milagre de Medellin”, a ação de implementação de projetos urbanísticos integrados investiu em infraestrutura urbana para oferecer qualidade de vida e diminuir as desigualdades. 

“ Boa parte do sucesso que aconteceu em Medellín foi porque o governo, as organizações e a sociedade trabalharam de forma coordenada. Existiu também uma continuidade do projeto de um governo para o outro, e isso fez com que os resultados se multiplicassem”, relatou Basombrio.

A principal ação foi a interação entre as periferias e o centro por meio de servicos de transportes públicos eficazes. Além disso, meios de comunicação comunitários reverberaram as vozes das populacoes mais pobres. Praças e outras locais de convivência foram implementados com uma estética muito requintada. Também investiu-se em esportes e no diálogo com a população.

Essas ações transformaram uma situação de conflitos armados, narcotráfico e miséria da capital colombiana. Em 1991 foram quase 6700 mortos. A taxa de homicídios era de 381 mortos por 100 mil habitantes. Em 2017, mais de 20 anos após a implementação das políticas urbanísticas, a taxa caiu drasticamente para 26 mortos por 100 mil habitantes. Essa política deu base para diversos projetos ao redor do mundo, inclusive no Brasil. 

Debate entre gestores e gestoras

Nesta quinta-feira (22), os gestores e gestoras foram divididos em grupos de discussão para a troca de experiências. Cada equipe elencou os obstáculos e boas práticas para o enfrentamento da violência contra a juventude negra. 

Questões como a dificuldade na obtenção de indicadores para a avaliação e criação de políticas públicas; a invisibilidade da problemática; a escassez de orçamento e a setorização do debate foram apontados como barreiras para a implementação de políticas públicas específicas. Já as oportunidades apresentadas foram, dentre outras, os bons espaços de convivência, os editais de protagonismo juvenil, a intersetorialidade das políticas, o diálogo com a juventude de base e a participação de meios de informação. 

Tendo como base esses desafios e exemplos positivos, as prefeituras de Recife (PE), Caruaru (PE), Canoas (RS) e Novo Hamburgo (RS), apresentaram os casos de sucesso para conter e prevenir a violência contra a juventude. Ao final, foi redigido uma carta de compromisso dos municípios pelas vidas negras, assinada pelas instituições e gestores presentes. O encontro aconteceu no contexto da Década Internacional de Afrodescendentes, liderada pelas Nações Unidas. 

Seminário “Vidas Negras: diálogos sobre ações governamentais de enfrentamento à violência contra as juventudes”