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Rio de Janeiro - A população mundial possui diversas especifidades. São mais de 7 bilhões de pessoas que buscam ter suas necessidades e aspirações devidamente observadas, compreendidas e respondidas pelos governos de cada país. Suas decisões políticas podem implicar tanto no agravo quanto na redução ou solução dos problemas. Mas, para que sejam tomadas corretamente, precisam estar baseadas em boas informações, confiáveis e de qualidade. Para isso existem os Censos Demográficos, estudos de referência sobre a população que vive num determinado território, bem como seu perfil sócioeconômico, etário, étnico-racial e cultural, para citar alguns aspectos abordados. O Brasil se destaca como exemplo global nessa área, devido às metodologias avançadas de coleta, tratamento e análise de dados do IBGE, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

Para compartilhar a experiência brasileira, o UNFPA, Fundo de População das Nações Unidas, apoiou o IBGE na realização de um seminário internacional que reuniu 10 países para compartilhar as etapas de realização do Censo 2010, quando 190 milhões de habitantes foram recenseados em cerca de 5.500 municípios. Em contrapartida, a experiência de coleta de dados em países como Haiti e Ruanda, que enfrentaram situações de emergência e pós-crise humanitária, foram compartilhadas com os técnicos brasileiros.

A atividade, que aconteceu de 28 a 31 de agosto no Rio de Janeiro, foi realizada no  âmbito do Programa de Cooperação Sul-Sul do UNFPA e contou com apoio da da Agência Brasileira de Cooperação (ABC). Participaram profissionais dos institutos nacionais de estatística de países da África, América Latina e Caribe, que puderam compartilhar os métodos usados em suas coletas, especialmente nos casos de países em situação de crise ou pós-crise. Segundo Maria Vilma Garcia, da Coordenação Operacional dos Censos do IBGE, o instituto têm inúmeros desafios internos para apoiar a grande demanda dos países. "Embora o IBGE queira muito contribuir positivamente, ainda não temos condições de atender na totalidade às demandas. Por isso a idéia do evento, para passar informações, difundir conhecimentos de forma genérica e, a partir daí, levantar os pedidos e necessidades que ainda permanecerem para que possamos continuar prestando apoio tecnológico, técnico e de logística, de acordo com nossos recursos e possibilidades".

Segundo Harold Robinson, Representante do UNFPA no Brasil, a troca “cria mecanismos ainda mais eficientes para abordar as demandas da cooperação, porque, ao final da coleta de dados, estamos lidando com pessoas”. Robinson destacou ainda que o planejamento e a formulação das politicas públicas devem ser baseados em dados de boa qualidade. “Esses insumos são vitais para a recuperação de países atingidos por desastres".

Para Antônio Adriano, do Instituto Nacional de Estatística de Moçambique, seminários como o ocorrido no Rio de Janeiro apresentam "novidades para todos", sobretudo para seu país, que, segundo ele, por estar em desenvolvimento, "necessita do domínio das tecnologias que foram utilizadas aqui no Brasil". Ele estava se referindo aos PDAs - Personal Digital Assistants (ou assistentes digitais pessoais), equipamentos semelhantes a smartphones que foram utilizados pelos recenceadores do IBGE para coletar e enviar os dados do Censo de 2010 aos computadores do IBGE em tempo real, sem o uso de papel. O último recenseamento em Moçambique ocorreu em 2007 e foi realizado por meio de questionários de papel.

A coleta de dados segura, por meio do uso dos PDAs, foi um dos assuntos que mais chamaram a atenção das pessoas que trabalham com Censo por conta do uso inteligente da tecnologia para obtenção das informações. No evento, a curiosidade tomou conta de todos/as os/as participantes, que se perguntavam como os aparelhos podem garantir a correta seqüência de preenchimento dos questionários, alertar para incompatibilidade de respostas, e fazer o controle das perguntas com respostas obrigatórias, entre outras funcionalidades. "Falar sobre tecnologia nesse contexto significa levar em consideração que o Censo é o maior desafio enfrentado por um instituto de estatística. O tamanho territorial de nosso país, a população e a diversidade de situações que temos, torna a tarefa especialmente complexa de ser efetuada", ressaltou José SantAnna Bevilaqua, Diretor de Informática do Instituto.

Situação de Emergência e Pós-Crise

Os contextos aos quais os países em situação de emergência na América Latina e Caribe estão sujeitos vão de terremotos, deslizamentos e inundações às atividades vulcânicas, entre outros. Para Graciella Vander Pole, do Escritório Regional do  UNFPA para a América Latina e o Caribe (UNFPA LACRO), que falou sobre o desenvolvimento do Guia Regional para a Coleta e a Análise de Dados Populacionais em Situação de Crise e Pós-Crise, é necessário contar com dados de qualidade no momento de planejar a resposta humanitária. “Como evacuar a população se não se sabe onde estão essas pessoas e como podem ser afetadas? Os dados precisam estar desagregados em diversos aspectos para salvar vidas. Por exemplo, onde estão as mulheres grávidas para que possamos dar a resposta humanitária baseada no marco de direitos humanos de forma específica?”, questionou.

Graciella ressaltou ainda que, somente com levantamento de dados, é possível fazer a identificação das vulnerabilidades da população e mapeamento dos problemas para  construção de planos e contingências com projeções. O UNFPA investe na elaboração de guias sobre questões comuns às crises humanitárias, colaborando no desenvolvimento de capacidades dos países e no recolhimento de dados.

O Censo também é fundamental para dimensionarmos o aumento ou redução da  violência em um país, por exemplo. Para explicar melhor esse ponto, Samson Lamllen, da sede do UNFPA, em Nova Iorque, falou sobre os dados obtidos por meio do último censo da Ruanda, em 1991. Em 1994, houve um genocídio que resultou em 800 mil mortes. A informação de que foi um décimo da população deu-se por conta do levantamento anterior. “Teve ainda a dispersão massiva da população para países como Uganda, Tanzânia e Congo. O computador que continha as informações sobre população foi contrabandeado para o Canadá. Após o genocídio, as pessoas começaram a voltar para o que sobrou de suas vidas. Toda a atenção estava voltada para a realocação das pessoas, por isso não houve censo em 2001”. (Confira entrevista com Samson Lamllen - clique aqui).

Já na Somália, o agravo ainda é pior. A guerra civil deixou o país sem um governo central. O último Censo foi realizado em 1986 e ainda não foi publicado. “Há quase 30 anos não temos Censo. E o UNFPA agora está apoiando a publicação da pesquisa, que é feita com base em uma estimativa”, disse Salada Mohamed, especialista de programa e Oficial responsável do Sub-escritório do UNFPA de Somalilândia. Com a experiência do IBGE, o país espera replicar o conhecimento obtido no seminário e implementar novas pesquisas de estimativa a partir de fevereiro de 2013.

No Haiti, que sofreu com tempestades e ciclones nos anos de 2004, 2007 e 2008 e um grande terremoto em 2010, o levantamento de informações é ainda mais difícil. Foram mais de 200 mil mortos e um imenso estrago sobre a infra-estrutura do país. De acordo com Renand Dorrelien, as organizações não-governamentais (ONGs) têm feito essa coleta de forma parcial, mas o governo haitiano busca aprovar, para o próximo ano, a realização do 5º Censo Nacional - inicialmente para averiguar o estrago estrutural e, posteriormente, para saber como estão as condições das famílias. Atualmente os agentes e supervisores cartográficos estão utilizando papel, PDAs e tablets, para avaliar e escolher os equipamentos a serem utilizados em 2013.

Destacando a importância do uso de dados para implementação de políticas públicas em um país, Milton Rondó, Coordenador-Geral de Ações Internacionais de Combate à Fome do Ministério das Relações Exteriores, afirma que “Censo é conhecimento. É identificação. Mas, em um momento de crise, é muito difícil manter a identidade”, e por isso, o Estado precisa saber quais situações existem para poder trabalhar. Rondó ressaltou ainda que o Brasil tem uma política externa baseada na promoção dos direitos humanos, que são fundamentais e universais. “Isso quer dizer promoção, proteção e provisão. Então, se há uma violação no Chifre da África, em Gaza, na Coréia do Norte, isso é responsabilidade do Governo Brasileiro sim, e do povo brasileiro”.

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