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Taxas de maternidade na adolescência baixam menos de 1 ponto percentual ao ano de 2018 a 2020

Cerca de 380 mil partos foram de mães com até 19 anos de idade em 2020,  o que corresponde a 14% de todos os nascimentos no Brasil. Em 2019 essa proporção era de 14,7% e 15,5% em 2018. Os números são do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos, do Ministério da Saúde, e foram compilados no projeto “Gravidez e Maternidade na adolescência - um estudo da coorte de 100 milhões de Brasileiros”, desenvolvido por uma equipe de profissionais do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para a Saúde (CIDACS-Fiocruz).

Dados também elaborados pelo CIDACS apontam que entre os nascidos vivos de mães adolescentes, em 2020, a maior concentração está nas regiões Norte (21,3%) e Nordeste (16,9%), seguido por Centro-Oeste (13,5%), Sudeste (11%) e Sul (10,5%). 

Na pesquisa, a questão da raça também é salientada. Em 2020, do total de nascidos vivos de mães indígenas, 28,2% foram de mães adolescentes. Entre todas as mulheres pardas que se tornaram mães, 16,7% dos bebês nasceram de adolescentes, e entre os partos de mulheres pretas, 13% foram de mães adolescentes. Já entre os nascidos de mães brancas, 9,2% eram mães adolescentes. Diante dos dados disponíveis, o CIDACS aponta que a maternidade na adolescência deve ser encarada a partir de uma perspectiva de saúde coletiva, com olhar atento às desigualdades e seu impacto na saúde adolescente.

Apesar de um movimento de redução nos últimos anos, as taxas de maternidade na adolescência ainda são elevadas no Brasil, mesmo se comparado a outros países da América do Sul, é o que afirma a Professora de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA) doutora em Saúde Pública e coordenadora do estudo, Dandara Ramos. Se no Brasil essa proporção está em 14%, como mencionado anteriormente, em países como Peru e Costa Rica registraram-se 11%, enquanto Argentina e Uruguai tiveram taxas de 10% e Chile de 5%, segundo dados do escritório do UNFPA para América Latina e Caribe, colhidos de dados oficiais destes países. Outras nações da região que registraram altas taxas de maternidade na adolescência em 2020 são Paraguai (15%), Equador (18%) e Colômbia (18%).

“A gravidez na adolescência atinge todas as classes sociais, atinge meninas de baixa renda e atinge meninas brancas de alta renda. Contudo, ela apresenta marcadores de desigualdade de geração, de raça, de classe muito específicos, sendo mais frequente justamente nos grupos de maior vulnerabilidade social”, pontuou a doutora em Saúde Pública, Dandara Ramos, durante uma palestra realizada no primeiro encontro presencial da Sala de Situação sobre Violência baseada em Gênero, realizada em agosto, na cidade de Salvador .

As meninas e adolescentes pobres sentem o peso da estrutura social que se apresenta com a chegada da maternidade. “Depois que se torna mãe, perdem-se direitos: a adolescente não tem mais direito a estudar, a sonhar com uma carreira, a entrar no mundo do trabalho. Esse percurso de sonhos, de formação, de desenvolvimento, é interrompido pela maternidade”, aponta Dandara Ramos.

Racismo

O racismo, as desigualdades raciais, são demarcadores do acesso ou não aos direitos sexuais e direitos reprodutivos. “Não é só uma questão de pobreza. Mesmo em países desenvolvidos, quando você observa o cenário [da gravidez na adolescência], a questão racial também está inserida ali. No caso brasileiro, são as meninas indígenas, são as meninas pretas que estão sendo excluídas de direitos reprodutivos; é preciso o combate às desigualdades raciais e étnicas”, observa a doutora Dandara Ramos. 

Justiça Reprodutiva

“Todas as pessoas têm direito sexual e direito reprodutivo. Mas acessar esse direito, ter autonomia, autodeterminação, tomada de decisão é outra questão. Ter direito e ter acesso a um direito são questões diferentes”, aponta a doutora em Saúde Pública e pesquisadora de pós-doutorado no CIDACS, Emanuelle Góes, que coordena a pesquisa junto à Dandara.

Emanuelle Góes é doutora em Saúde Pública e também colaboradora do CIDACS, coordenou a pesquisa junto à Dandara. Ela usa camisa amarela e fala ao microfone. Foto: ⒸUNFPA/Flávia Quirino
Emanuelle Góes é doutora em Saúde Pública e pesquisadora no CIDACS, coordenou a pesquisa junto à Dandara. Foto: ⒸUNFPA/Flávia Quirino

A existência de ambientes de injustiças sociais e também de violações de direitos impede o acesso aos direitos sexuais e reprodutivos. “É aí que acionamos a perspectiva da justiça reprodutiva. A justiça reprodutiva reconhece a justiça social como uma demanda importante para os direitos reprodutivos. Então se você não vive um ambiente social equânime, você não consegue ter direitos reprodutivos”

Para Emanuelle Góes o racismo é determinante no impedimento à justiça reprodutiva e no acesso à saúde sexual e reprodutiva. “Se o racismo é estruturante e está no centro, dificilmente a gente vai poder tratar de justiça reprodutiva sem falar das mulheres negras ou das mulheres de grupos raciais ou racialmente oprimidos, mesmo que não seja no contexto de mulheres negras. Não tem como falar de justiça reprodutiva e não falar de raça”, destacou.

Violência obstétrica

Justiça reprodutiva e violência obstétrica são agendas que se conectam. “As mulheres que sofrem racismo obstétrico, para além da violência obstétrica, têm seu direito à escolha reprodutiva prejudicado. Temos trazido a discussão do racismo obstétrico para olhar melhor o que acontece com a gente. Porque o conceito em si da violência obstétrica não responde”, apontou Emanuelle Góes.