Trabalhadoras do UNFPA contam vivências na Operação Acolhida em Roraima e Amazonas
Por Pedro Sibahi
Em contextos de emergência, como deslocamentos forçados, desastres naturais e conflitos, a assistência humanitária tem um papel fundamental para garantir direitos básicos, como moradia e acesso à saúde. Contudo, o trabalho humanitário vai muito além da resposta imediata, contribuindo para que as pessoas atendidas consigam construir uma nova vida no país ao qual estão chegando.
Seja uma simples informação sobre como usar o Sistema Único de Saúde ou o acompanhamento de casos de violência baseada em gênero, para além da resolução de um problema, são dados também os primeiros passos para uma autonomia duradoura. É o que relatam as trabalhadoras do Fundo de População das Nações Unidas em Roraima e Amazonas: Harlen Lamar, Jaqueline Oliveira e Andreza Costa, que atuam na linha de frente da resposta humanitária às pessoas refugiadas e migrantes vindas da Venezuela.
Para Harlen, que é venezuelana e trabalha no UNFPA desde 2019, atuando na cidade de Pacaraima, em Roraima, na fronteira com a Venezuela, a grande diferença está em dar atenção humanizada às pessoas que trazem alguma necessidade. “O trabalho em Pacaraima é diferente porque a pessoa acabou de chegar ao país, ainda está cheia de dúvidas, de medos, de dificuldades”, diz ela, acrescentando que adora o trabalho. “É uma oportunidade maravilhosa. É algo que muda vidas, dependendo da necessidade da pessoa”, diz.
Harlen lembra uma história vivida ainda em 2019, quando realizou o atendimento de uma mulher grávida que havia acabado de chegar ao país. “Dei o encaminhamento normal, não era um caso diferente e ela foi embora”, conta. Meses depois, em Boa Vista, capital de Roraima, ela estava passeando no shopping, quando uma mulher aparentemente desconhecida se aproximou sem dizer nada e lhe deu um abraço. Era aquela mesma pessoa que ela havia atendido meses antes, que se apresentou e disse: “Você não tem ideia de quantas vezes lembro de você. Toda vez que conto a história de como cheguei no Brasil, você está nessa história. Você mudou a nossa situação, você abriu as portas”.
“Há momentos em que a gente está esgotada, que o corpo está cansado, mas coisas assim dão força para continuar” - Harlen Lamar.
Para Jaqueline Oliveira, o trabalho humanitário é estratégico para que as pessoas refugiadas e migrantes tenham acesso às informações corretas. “Uma hora as pessoas vão precisar caminhar com suas próprias pernas, elas precisam saber quando um direito está sendo violado, como acessar uma unidade de saúde”, diz ela. Jaqueline é moradora de Boa Vista e passou a integrar o UNFPA em 2019, por meio de um programa de estágio afirmativo, depois como assistente de campo, atuando na prevenção e acompanhamento de casos de violência baseada em gênero.
“Eu vejo o trabalho humanitário como um trabalho onde é preciso ser empático, resiliente e acima de tudo, ser humano, a gente não trabalha com números, mas com pessoas que têm histórias e trajetórias diferentes” - Jaqueline Oliveira.
Para Jaqueline, o que marca a atuação na assistência humanitária é realizar a gestão de casos de sobreviventes de violência de gênero. “A gente percebe como as pessoas mudam totalmente, quando a gente fala de pensar junto estratégias”, relata. Segundo ela, a gestão de caso é um processo de autodeterminação. “É trazer que a pessoa é responsável pelas escolhas dela. Às vezes as pessoas chegam muito vulneráveis e nem reconhecem isso. Depois que a gente garante um abrigamento ou resolve outra demanda, e mais tarde a pessoa volta contando que conseguiu uma vaga de emprego em Manaus ou São Paulo, fico muito feliz”, diz Jaqueline.
Em Manaus, Andreza Costa completou 1 ano como trabalhadora da assistência humanitária no dia 17 de agosto. Apesar de já ter atuado antes nesse tipo de contexto, ela diz que esses 12 meses foram, acima de tudo, um grande aprendizado. “Eu mesma aprendi mais sobre políticas públicas. Estar na linha de frente me ensinou a entender o fluxo de encaminhamento. A gente percebe que existem também as limitações de acesso à serviços públicos. Por mais que a gente direcione, as pessoas encontram essas limitações, mas a gente também pensa em formas de como mitigar”, relata ela. Como exemplo, Andreza conta que já ajudou uma beneficiária a traduzir sua história para garantir o acesso no posto de saúde. “A gente está em um lugar não de dar voz, mas de favorecer. Eles já possuem as suas vozes, a gente não é porta-voz de ninguém, mas estamos aqui para fortalecer essas vozes que já existem”, diz.
Andreza também destaca a importância das rodas de conversa e atividades coletivas para transformar as mentalidades. “É um contexto de emergência, mas não necessariamente a gente precisa focar só nisso, mas possibilitar outras frentes, porque elas existem. Depois que a Operação Acolhida sair, que eu sair, como fica a saúde, os direitos básicos?”, reflete. “Ao longo desse um ano, pude ter a maturidade de inclusive passar essas informações para as pessoas que atendo, por exemplo, ensinar que o SUS está em todo o país, como agendar os atendimentos mais específicos”.
“Completando um ano no UNFPA, me deu essa maturidade de entender o que é de fato a emergência, o que podemos construir juntos, mas também me coloca em um local de ter que aprender a todo o momento”, afirma Andreza. “Mesmo com essa maturidade, estou nesse lugar de aprendiz. A forma como a operação funciona é muito dinâmica, fluida e célere. Por mais que a gente ache que conhece os procedimentos, muda a forma, a linguagem, e precisamos ter maturidade e paciência para entender e estreitar os laços. Sair do suposto saber e arregaçar as mangas”, finaliza.