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A pequena casa alugada pela venezuelana Nilsa Hernández, de 62 anos, em Boa Vista, sempre tem mais espaço do que parece. Em dois quartos conjugados, dois beliches e três camas estão a postos de quem precisar. Uma migrante idosa que vive há 13 anos com HIV, Nilsa queria oferecer um teto aos que vivem na mesma condição e estão de passagem, seja por questões de tratamento ou de refúgio, e criou, praticamente sozinha, o projeto Valientes pela Vida. A iniciativa é apoiada pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) na cidade por meio de fornecimento de materiais informativos, insumos em saúde sexual e reprodutiva, entre outras ações de resiliência comunitária.

Ao lado do neto de 13 anos e do então marido, a mulher chegou ao Brasil há um ano. Sofreu na pele a discriminação e morou nas ruas por um mês. Com ajuda de doadores e Organizações Não Governamentais (ONGs), conseguiu se estabelecer na casa alugada e logo colocou em prática sua vontade de ajudar. 

“Meu sonho era ter um lugar para abrigar as pessoas com a minha condição, para que elas nunca passassem o que eu passei”, afirma. Desde que começou a contabilizar seus hóspedes, Nilsa Hernandez já calcula ter recebido 70 pessoas.

No começo, quando não havia camas, os visitantes dormiam no chão. Além de pessoas vivendo com HIV, Nilsa também recebe pacientes com câncer, diabetes e outras doenças -- a quem ela se refere apenas como seus “valentes”. 

“Queremos acabar com esses rótulos, de pacientes soropositivos ou com câncer, que seja. Não. São pacientes valentes. Por enfrentarem sua condição e saírem de seu país para buscar tratamento e viver”, justifica. 

O UNFPA fornece, sempre que possível, suporte para que a iniciativa de Nilsa continue florescendo na cidade. “Recebo apoio incondicional. É como se eu fosse parte do time”, brinca. Ela foi uma das participantes do projeto Promotoras Legais Populares, realizado pelo Núcleo de Mulheres de Roraima (Numur) em parceria com o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e com financiamento da União Europeia. O projeto teve o objetivo de capacitar mulheres que são lideranças comunitárias com formação sobre legislações e direitos, fortalecendo o empoderamento e a resiliência comunitária. 

Convidada para dar palestras por vários órgãos públicos e conhecida por levar pessoalmente seus visitantes vivendo com HIV aos serviços de saúde, Nilsa não esconde que, às vezes, sua valentia ameaça vacilar. Ela já participou de diversas outras atividades oferecidas pelo UNFPA na cidade, e frisa com destaque as rodas de conversa promovidas no projeto de defesa pessoal, que abordaram, durante três meses, a prevenção da violência baseada em gênero. “Estava muito deprimida e ali deixei minha carga. Aprendi a controlar meus sentimentos. As conversas e tudo mais que vivenciei nos ensinaram muito a canalizar e manter a perseverança”, conta.