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Quando entra pela primeira vez no Espaço Amigável do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) em Boa Vista, a venezuelana Jacqueline Pereira, de 41 anos, lamenta por seu estado: recém-chegada ao país, ela não tem quase nenhuma roupa extra e vive em situação de rua. “Não gosto de andar assim, suja. Não sou acostumada a andar assim”, explica, debulhando-se em lágrimas. Entregue a ela pelas mãos da equipe do UNFPA, o Kit Dignidade, uma bolsa com artigos de higiene e outros itens básicos, é um alento imediato. Faz iluminar o seu rosto. “Tem até creme para pele e cabelo” — surpreende-se.

Os kits mais recentes começaram a ser montados e distribuídos pelo Fundo de População das Nações Unidas em parceria com a Visão Mundial, em março de 2019, e financiamento do Fundo Central de Resposta de Emergência das Nações Unidas (CERF). Até agora, já foram distribuídos 729. A ação é estratégica em saúde sexual e reprodutiva e na prevenção da violência baseada em gênero.  Dentro do kit, é possível encontrar roupa íntima nova, chinelos, preservativos, creme dental e escova de dentes, entre outros itens.

O oficial de projetos e chefe do escritório do UNFPA em Roraima, Igo Martini, explica que a definição do que seria fornecido nos kits foi feita com base em guias internacionais publicados pelo Fundo de População das Nações Unidas. Outros artigos presentes no pacote, entretanto, foram frutos de escutas dos próprios beneficiários e beneficiárias — daí a presença, um tanto incomum, de itens como lanternas e apitos, usados pelos movimentos de mulheres no Brasil como itens de segurança e sobrevivência.

“Foram resultados dos relatos e demandas que escutamos. Observamos por exemplo que havia muitas mulheres em risco, durante a noite, por conta do escuro, por isso a importância de ter uma lanterna. No mesmo contexto, o apito é voltado para que, em situação de violência, as mulheres possam pedir socorro”, detalha.

Pessoas em deslocamento, em contextos de emergência, são especialmente vulneráveis à violência sexual, a infecções sexualmente transmissíveis e, no caso das mulheres, gravidezes não desejadas. Na ausência de serviços adequados de obstetrícia, há um alto índice de mortes maternas e de outras complicações relacionadas ao parto. Dados do último Relatório sobre a Situação da População Mundial, produzido pelo UNFPA, mostram que, todos os dias, mais de 500 mulheres e meninas em países com situações de emergência morrem durante a gravidez e ao dar à luz, devido à ausência de atendentes e serviços obstétricos qualificados.

Por isso, o UNFPA trabalha ativamente nestes cenários, seja levando informações sobre saúde sexual e reprodutiva ou fornecendo os insumos necessários para que as pessoas possam seguir adiante, além da disponibilização de preservativos femininos e masculinos, entre outros instrumentos de planejamento familiar.

Em Roraima, os Kits de Dignidade fazem a diferença na vida das pessoas que os recebem, principalmente aquelas em condições mais vulneráveis e que perderam seus pertences na travessia ao Brasil. No caso de Jacqueline Pereira, naquele específico dia, tornou-se um sopro de esperança. Ao encontrar, dentro da sacola, um pequeno caderno — outro item inserido no kit após escuta dos especialistas, que entenderam a necessidade de disponibilizar um meio de fazer anotações sobre direitos e endereços — a mulher vibra como uma criança. “Vou usar para aprender português”, promete.