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Refugiados e trabalhadores do UNFPA falam sobre a importância de desconstruir preconceitos e enfrentar a LGBTIfobia

Por Pedro Sibahi

 

A população refugiada e migrante que sai da Venezuela e busca abrigo no Brasil, passando pelos estados de Roraima e Amazonas, enfrenta diversas dificuldades, muitas vezes chegando em estado de extrema vulnerabilidade. No caso de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, intersexos e transgêneros, a população LGBTI+, o preconceito se soma a todos esses desafios, o que muitas vezes aumenta o risco da marginalização e até da criminalização. Assim, o trabalho de desconstrução de preconceitos e enfrentamento da discriminação, que foi celebrado no 17 de maio, Dia Internacional contra a LGBTfobia, ganha maior importância no contexto da assistência humanitária. 

É o que relata Geudys de los Angeles Centerro, indígena da etnia Warao que está em Boa Vista desde 2017 e se autodeclara como travesti. “Já participei de rodas de conversa, palestras, é bom que as pessoas LGBTI conheçam seus direitos para que busquem a possibilidade de serem protegidas”. Para Eduardo Rodriguez, refugiado de 27 anos que chegou no Brasil há apenas cinco meses, “a homofobia é um sistema de crenças que está nas pessoas, pelo local onde foram criadas, como foram criadas, e o machismo e o patriarcado estão em todo o mundo. Como podemos lutar contra isso: só pela educação, ir tratando de derrubar, desmontar essas barreiras ideológicas arcaicas e machistas”.

É justamente na educação pela disseminação de informações que atuam os trabalhadores do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), Leandro Morais e Igor Fischer. Leandro é assistente de proteção, direitos e saúde sexual e reprodutiva. Ele destaca que “quando a pessoa aprende sobre seus direitos, ela passa até a reconhecer melhor os preconceitos que sofre”. Igor é assistente de campo e atua na área de enfrentamento da violência baseada em gênero. Ele organiza rodas de conversa e grupos de discussão, e conta que muitas das pessoas participantes “acabam desenvolvendo capacidade de liderança, se tornam multiplicadores de conteúdos e informações.”

O preconceito contra pessoas LGBTI+ é algo presente em praticamente todo o planeta, o que inclui tanto o Brasil como a Venezuela. Assim, o trabalho de desconstrução de estigmas e ideias pré-concebidas é realizado tanto com a população refugiada e migrante, como com a comunidade de acolhida. Mais que isso, é fundamental dar atenção às demandas específicas dessa população, sem partir de preconceitos nem ideias pré-estabelecidas.

“Pelas ações de base comunitária que discutem sensibilização e formação para Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), temos buscado, nos temas próprios da saúde, desconstruir certos preconceitos a respeito da população LGBTI”, conta Leandro. Ele acrescenta que “desde 2020, a partir de uma identificação das vulnerabilidades da comunidade LGBTI, discutimos masculinidades, especialmente com os homens, porque sabemos que o grande impacto do preconceito e estigma vem a partir de uma masculinidade tóxica, onde certas expectativas de comportamento são dadas”.

Leandro ainda destaca a importância de se implementar efetivamente a política de saúde integral do Sistema Único de Saúde (SUS) para a população LGBTI refugiada e migrante, garantido um cuidado “que não seja estigmatizante e não se limite à possibilidade de adoecimento que nos acostumamos a ver como da população LGBTI, como HIV e Aids”. Ele acrescenta ainda que “parte do enfrentamento da LGBTIfobia é a incidência em gestão de casos individuais enquanto acompanhantes dos sujeitos na rede de serviços, pois isso nos dá a oportunidade de confrontar a LGBTIfobia entre os trabalhadores da rede local”.

Igor relata que em um contexto de maior vulnerabilidade, a LGBTIfobia se torna um problema ainda mais grave. “O Brasil é um país LGBTIfóbico, e vemos isso replicado no contexto humanitário de forma agravada. É um número de pessoas vivendo em comunidade de maneira muito intensificada, e os contextos de tensão, o fechamento de fronteira, a dificuldade de documentação e acesso a serviços, em geral mas sobretudo para as pessoas LGBTI, gera reflexos para a comunidade”, relata.

“O mais importante é a conscientização e informação da própria comunidade LGBTI”, afirma Igor. “Por terem vindo de regiões pequenas ou conservadoras, muitas vezes fogem da identidade ou evitam se expressar, o que gera até sofrimentos psíquicos. Tratar a LGBTIfobia, fortalecendo a resiliência comunitária é essencial, então, pensamos estratégias e maneiras para prevenir esse tipo de caso, e não só dar respostas”.

Eduardo Rodrigues confirma que, apesar das dificuldades, é possível sonhar com um novo recomeço. Ele afirma que vê machismo e homofobia tanto no Brasil como na Venezuela, porém, no Brasil sente que há mecanismos de proteção e apoio, e que se sente mais seguro para seguir sua vida.

“Sou professor de educação especial e trabalhei em escola de campo, e isso, de ser professor no campo, não é nada fácil, essa cultura me prejudicou muito”, relata Eduardo. “No meu caso, mais que a situação econômica, vim por um sonho de liberdade, de querer ser quem sou, de viver minha orientação sexual de maneira livre”, completa.

Para Geudys, o principal objetivo é seguir em frente: “se meu propósito era chegar ao Brasil, foi para ter uma vida boa, ter o que quero, um emprego, vivenciar coisas boas e deixar tudo de ruim que já aconteceu. Agora espero ter um bom futuro, ser interiorizada para outro estado e esperar o que a vida tiver para mim”, afirma ela.