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Roberta Dieguez, da USP, participou da reinauguração da Sala de Situação sobre Violência Baseada em Gênero do Norte e Nordeste

 

A pobreza menstrual como violação de direitos humanos foi o tema central da primeira reunião da Sala de Situação sobre Violência Baseada em Gênero do Norte e Nordeste de 2022, realizada no dia 19 de maio, em formato virtual.

Com a participação de 33 mulheres de vários estados da região Norte e Nordeste do país, o tema foi apresentado pela psicóloga e doutoranda em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (USP), Roberta Dieguez. “A distribuição de absorvente é a ponta do problema. Estamos falando de desigualdades, falamos de pessoas que não tem acesso a saneamento básico, acesso à água e no Brasil a gente ainda observa que muitas pessoas continuam sem acesso porque temos uma desigualdade que é endêmica”, apontou.

Além de todas essas questões que atravessam o tema da Pobreza Menstrual, Roberta Dieguez apontou ainda que dentro da lógica hegemônica, a questão de gênero afeta em todas as dimensões. “Não afeta somente mulheres, mas afeta aquelas que são identificadas hegemonicamente como mulheres. Por isso, nesse debate a questão da transmasculinidade também é muito importante”. 

E citou o exemplo recente, da Justiça de São Paulo, que determinou que a Prefeitura Municipal de São Paulo, distribua absorventes higiênicos para homens trans.

O tabu que envolve a menstruação também foi uma das abordagens do debate. “Não é um assunto que se fale publicamente, por muito tempo esse tema foi silenciado. O sangue menstrual carrega uma marca muito forte de gênero, o sangue é considerado como sujo, como algo que deve ser escondido”, apontou Roberta.


Roberta Dieguez, psicóloga e doutoranda em Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP)

Embora considerado um debate recente na sociedade brasileira, as mulheres que participam da Sala de Situação apontaram as experiências com o tema ao longo dos anos.

“Tudo está conectado com a desigualdade social e a violação de direitos para essas mulheres que na maioria são pobres, estão na periferia, e em sua grande parte, vão ser as mulheres negras as mais afetadas”, destacou Durvalina Rodrigues, da Abayomi - Coletiva de Mulheres Negras na Paraíba.

Para Bernadete Aparecida, da Casa 8 de Março – Organização Feminista do Tocantins, a pobreza menstrual é uma questão de violência de gênero milenar e que envolve também muitas questões. “Nós, que trabalhamos com mulheres em situação de vulnerabilidade, há décadas lidamos com essa questão, que é mais do que pobreza e precariedade, é absoluta falta de dignidade”.

Dignidade

Lançado em maio de 2021, pelo UNFPA em parceria com o UNICEF, o estudo “Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos”, jogou luz ao problema no país e evidencia que 713 mil meninas vivem sem acesso a banheiro ou chuveiro em seu domicílio e mais de 4 milhões não têm acesso a itens mínimos de cuidados menstruais nas escolas.

De acordo com a pesquisa o contraste entre a precariedade menstrual e a escassez de dados se mostra ainda mais preocupante se associado ao alarmante cenário brasileiro, em que cerca de 13,6 milhões de habitantes (cerca de 6,5% da população) vivem em condições de extrema pobreza, ou seja, sobrevivendo com menos de U$ 1,90 por dia (o equivalente a R$ 151,00 por mês segundo cotação vigente em 2019) e cerca de 51,5 milhões de pessoas estão abaixo da linha de pobreza (1 a cada 4 brasileiros vivendo com menos de R$ 436,00 ao mês). A necessidade de enfrentamento da pobreza e redução das desigualdades incorpora urgência ao tratamento do problema da pobreza menstrual e seu impacto nas futuras gerações.

“Esse é um problema mais amplo, um conjunto de dimensões que vai além da distribuição de absorventes e como isso impacta a vida de meninas, por exemplo. São dados alarmantes, que precisamos trabalhar e enfrentar”, ressaltou a Oficial de Gênero, Raça e Etnia do UNFPA Brasil, Luana Silva, durante a apresentação dos dados do estudo na Sala de Situação.

Conheça os pilares da pobreza menstrual, conforme a pesquisa “Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos”:

• falta de acesso a produtos adequados para o cuidado da higiene menstrual;

• questões estruturais como a ausência de banheiros seguros e em bom estado de conservação, saneamento básico (água encanada e esgotamento sanitário), coleta de lixo;

• falta de acesso a medicamentos para administrar problemas menstruais e/ou carência de serviços médicos;

• insuficiência ou incorreção nas informações sobre a saúde menstrual e autoconhecimento sobre o corpo e os ciclos menstruais;

• tabus e preconceitos sobre a menstruação que resultam na segregação de pessoas que menstruam de diversas áreas da vida social;

• questões econômicas como, por exemplo, a tributação sobre os produtos menstruais e a mercantilização dos tabus sobre a menstruação com a finalidade de vender produtos desnecessários e que podem fazer mal à saúde;

• efeitos deletérios da pobreza menstrual sobre a vida econômica e desenvolvimento pleno dos potenciais das pessoas que menstruam.