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Nesta quarta (6), foi lançada a Frente Parlamentar pela Prevenção da Violência e Redução de Homicídios. A cerimônia que marcou o início dos trabalhos do grupo aconteceu no Salão Nobre, do Congresso Nacional, em Brasília (DF), contando com a presença de representantes do sistema de Justiça, de organizações da sociedade civil, religiosos, além de alguns deputados.
 
A iniciativa já congrega quase 200 parlamentares de pelo menos 25 partidos e, segundo o seu coordenador nacional, Alessandro Molon (REDE-RJ), quer debater caminhos alternativos às propostas centradas unicamente em medidas repressivas e/ou punitivas. “Fazemos coisas importantes aqui no Congresso, mas proteger a vida talvez seja a mais importante delas. Essa frente faz contraponto a uma série de propostas de caráter conservador que têm surgido nesta casa e que, no fim, são simplistas diante de problemas de alta complexidade. A missão dessa frente está acima de eventuais divergências partidárias. Não queremos defender bandeiras, mas ajudar o Brasil com as respostas. A quantidade de mortes que temos aqui é como se todos os anos fosse lançada uma bomba como a de Nagasaki. Mas é uma bomba que atinge muito mais os jovens, negros, das periferias”, observou.
 
Falando em nome da ONU Brasil e da campanha Vidas Negras, Jaime Nadal, representante do Fundo de Populações das Nações Unidas (UNFPA), enfatizou a distribuição desigual dos homicídios aparecendo como conseqüência radical das desigualdades raciais. “Talvez a expressão mais absoluta das desigualdades raciais no Brasil seja o fato de que a cada 10 pessoas assassinadas, sete sejam negras”, disse. Nadal destacou ainda que campanha do Sistema ONU pelo fim da violência contra juventude negra, além de uma iniciativa da Década Internacional de Afrodescendentes também diz respeito ao desempenho do Brasil no cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). “O compromisso dos Estados com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável é não deixar ninguém para trás. É exatamente para este fim que esta campanha deseja contribuir, pois essa distribuição desigual dos homicídios, com perfil racial marcado, mostra que a juventude negra está ficando para trás no que diz respeito à conquista dos ODS”, lembrou.
 
Durante o evento, Alessandro Molon mencionou a importância da participação da sociedade civil no funcionamento efetivo e controle social da atividade das frentes parlamentares em geral, inclusive apresentando e debatendo demandas, assim como insumos e dados sobre o fenômeno da violência num país tão plural quanto o Brasil. Neste espírito, Bruno Langeani, do Instituto Sou da Paz apresentou dados da pesquisa “Onde Mora a Impunidade”, sobre a necessidade de construção de um indicador nacional de esclarecimento de homicídios no Brasil para o enfrentamento do grande número de assassinatos. “O trabalho aborda um ponto específico da questão que é como se lida com o homicídio depois que ele aconteceu. Porque se não conseguimos identificar o homicida pouco adianta aumentarem as penas”, concluiu. O pesquisador informou que apenas seis dos 27 estados da federação conseguiram reunir dados sobre índices de esclarecimento, entre eles Pará (4%), Rio de Janeiro (12%) e São Paulo (38%).
 
Langeani ressaltou que já existem caminhos para a construção desse indicador nacional de esclarecimento, mas é preciso que as diferentes entidades sigam provocando o poder público. “É preciso propor políticas menos populistas, menos de mesa de bar e mais preventivas. Políticas já testadas, monitoradas e avaliadas em outros lugares”, analisou.
 
O deputado Paulo Teixeira (PT-SP), que vai coordenar a frente em São Paulo, prometeu apresentar em breve um Plano Nacional de Segurança Pública, com medidas voltadas para a prevenção de homicídios. “Nós sabemos onde estão os homicídios no Brasil. Precisamos que o Estado chegue a estes locais com todas as suas dimensões e não só as repressivas. Temos que conseguir reduzir os homicídios e reduzir os homicídios da população negra”, afirmou.
 
A diretora da Anistia Internacional e membro do Conselho Consultivo do UNFPA, Jurema Werneck, foi ao congresso protocolar junto ao Ministério da Justiça a entrega de 60mil assinaturas, conseguidas por meio da campanha Jovem Negro Vivo. O abaixo assinado solicita uma política de redução da letalidade que compreenda a especificidade do problema para a população jovem negra. Jurema participou da cerimônia de lançamento da frente parlamentar e dividiu a palavra com o jovem Joel Luiz Costa, que abordou a dificuldade de acessar um direito fundamental para superar a violência em comunidades pobres no Brasil: a educação. “Sou do Jacarezinho, no Rio de Janeiro. Na cidade onde eu vivo, milhares de crianças têm sido impedidas de ir à escola por causa de tiroteios”, contou. Das 1.537 escolas e creches municipais no Rio, 381 fecharam um ou mais dias no primeiro semestre de 2017 em razão de tiroteios ou eventos relacionados. Joel lembrou ainda a morte da adolescente Maria Eduarda, 13, enquanto fazia educação física no pátio de sua escola, em Acari, Zona Norte do Rio. “Em 2016, o colégio de Maria Eduarda foi fechado 20 vezes por causa da violência armada. O que aconteceu com ela não foi fatalidade”, pontuou.
 
O trabalho da frente deve agora se concentrar em articular iniciativas de redução da violência, que oferecem principalmente respostas preventivas. Segundo seus coordenadores, o próximo passo é levantar informações sobre políticas que têm apresentado resultados efetivos, tanto no Brasil quanto em outros países.
 
*Texto: Thiago Ansel, consultor da campanha Vidas Negras