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*Artigo originalmente publicado no jornal Correio da Bahia, em 27 de dezembro de 2019

 

Há mais de um mês, uma jovem negra, quilombola, do recôncavo baiano, estudante de Serviço Social e promissora liderança foi assassinada a tiros -- o principal suspeito, seu ex-namorado, foi preso. Elitânia de Souza da Hora não apenas lutava por revoluções individuais, mas também pelos direitos de todo um povo, e é muito triste que seu gênero tenha determinado o fim de uma brilhante trajetória. É muito chocante que violências como essa, feminicídios por definição, continuem acontecendo.

 

A voz de Elitânia não é a primeira que é calada no país. Assim como ela, 1.206 mulheres foram vítimas de feminicídio em 2018. Entre elas, 61% eram negras e 52,3% dos assassinatos foram cometidos por arma de fogo. De janeiro a setembro deste ano, só na Bahia, foram 75 casos, conforme informou a Secretaria de Segurança Pública do Estado. Este não é mais um tipo de crime que choca, aparentemente. A violência contra a mulher está sendo naturalizada no Brasil, em especial a violência contra a mulher negra.

 

Elitânia, por exemplo, já tinha uma medida protetiva vigente contra o ex-namorado. Por que essa ferramenta judicial não funcionou? Um mês depois da sua morte, o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) volta a lembrar que é necessário fazer Justiça e lutar para que casos como esse não se repitam de forma alguma. Essa não é uma missão e responsabilidade apenas para o Estado brasileiro. É uma mudança que precisa acontecer de dentro para fora, uma transformação individual, que cabe a todo cidadão. 

 

A prevenção contra a violência passa, sem dúvida, por garantir recursos para proteção social, acolhimento, Justiça e reparação, como previsto nas Diretrizes Nacionais sobre Feminicídio. Mas também envolve uma mudança de cultura. A agressão contra mulheres não é uma questão “familiar”, ela deve sair do seio doméstico e ser discutida nas ruas, na fila do banco, nos hospitais e escolas. Até mesmo porque ela acontece em todo e qualquer espaço. Elitânia foi assassinada na rua, depois de sair da faculdade, sem qualquer possibilidade de se defender. Toda a sociedade precisa se unir para discutir o motivo pelo qual matamos e deixamos morrer nossas mulheres, especialmente aquelas pessoas nos espaços de tomada de decisão. E é urgente que isso seja feito já!

 

A memória da jovem ativista Elitânia de Souza da Hora não vai desaparecer com o tempo. O Fundo de População da ONU está comprometido em garantir que a sociedade e os governos reconheçam a urgência de prevenir a violência baseada em gênero. Ao desconstruir velhos hábitos e destruir masculinidades tóxicas -- reabrindo nossos olhos e corações -- todos e todas podemos mudar essa história. 

 

Astrid Bant

 

Representante do Fundo de População das Nações Unidas no Brasil